terça-feira, 19 de abril de 2016

Seria melhor que o Bispo e a Direcção Regional da Cultura acordassem .





É um livro que já está pronto, e cuja publicação deveria ter, supostamente, ocorrido aquando da celebração dos 500 anos da Diocese do Funchal. Mas, curiosamente, já se passaram quase dois anos e a obra continua a aguardar publicação, não tendo ainda nem a Diocese do Funchal nem a Direcção Regional de Cultura aparentemente marcado data.
As circunstâncias tornam-se tanto mais estranhas quanto o seu autor, o padre Orlando Moisés de Freitas Morna, é um estudioso conhecedor do latim, antigo arquivista da Diocese, e um dos poucos, na Madeira, capazes de verter directamente do latim para o português textos muito antigos. Como é, de resto, o caso de três bulas de criação da Diocese do Funchal, da autoria do papa Leão X, a ‘Pro excellenti praeeminentia’, a ‘Gratiae divinae praemium’, e a ‘Hodie ecclesiae Funchalensi’. A primeira, emitida a 12 de Junho de 1514, criou a Diocese e proveu como bispo D. Diogo Pinheiro. A segunda, com a mesma data, concede ao rei o direito de padroado e o privilégio de apresentar no futuro os bispos do Funchal; e a terceira, também datada de 12 de Junho de 1514, notifica o clero da elevação da nova igreja de Santa Maria a catedral e do provimento de D. Diogo Pinheiro como bispo. Ou seja, textos fundamentais na história da Igreja madeirense. Orlando Morna traduziu-as e incluiu-as neste livro. Todas as três, porém, já tinham surgido em outras obras fundamentais de referência da História da Madeira, entre as quais ‘A Sé do Funchal’, do Pe. Manuel Juvenal Pita Ferreira, e ‘Saudades da Terra’, de Gaspar Frutuoso, na edição anotada de Álvaro Rodrigues de Azevedo.
O que o padre Orlando Morna ambicionava verdadeiramente era publicar a tradução das cerca de 30 bulas que o papado endereçou à Diocese do Funchal, das quais algumas se perderam. No entanto, o sacerdote alimenta ainda a esperança de poder vir a publicá-las um dia, sob a forma de livro.
Formado em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, este padre nunca teve paróquia na Região. Cursou o seminário do Funchal até ao quinto ano, sendo o melhor aluno de Matemática, com 18 valores. Mais tarde, obteve 20 valores. O bispo do Funchal na altura mandou-o estudar para Roma, tinha ele 17 anos. O então jovem chegou de comboio à capital italiana em 1945. Terminara há pouco tempo a Segunda Guerra Mundial.
Foi ordenado sacerdote em 1953, na Basílica dos Apóstolos, em Roma, onde estão as relíquias do padroeiro da cidade do Funchal, São Tiago Menor.
Regressou depois ao Funchal, tendo sido examinador de D. Teodoro de Faria e D. Maurílio de Gouveia, mais tarde bispos, em Teologia.
Apesar do seu percurso, entrou em choque com a Diocese do Funchal supostamente por causa de uma funcionária, que lhe dactilografava as bulas que traduziu. As traduções que fez acabaram por ser retidas pela Diocese, contra a sua vontade, num desentendimento estranho. O padre não se ficou e colocou o caso perante os Julgados de Paz, tendo sido decidido a seu favor no âmbito de um processo que determinou que Orlando Morna teria de ser indemnizado caso não lhe fossem restituídas as traduções das bulas que efectuara. As mesmas acabaram por lhe ser devolvidas.
O padre fez ainda uma incursão a Roma 60 anos depois de lá ter vivido na juventude, procurando encontrar no Arquivo do Vaticano as bulas das quais se perdeu o rasto, e que faltavam na sua lista, mas não conseguiu localizá-las. Parece que a sua viagem foi vista com alguma complacência pela Diocese, que não a levou muito a sério.
É de supor que o caso anteriormente descrito e que chegou aos Julgados de Paz tenha criado algum mal-estar no seio da Diocese.
Entretanto, o presente livro foi elaborado, no que deveria ser uma colaboração pacífica entre a Diocese do Funchal e a então Direcção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC), hoje Direcção Regional de Cultura (DRC). Trata-se de uma edição de trezentos exemplares, de qualidade, em formato grande e visualmente bastante atractiva. Mas, inexplicavelmente, continua a aguardar para ser publicada.
Aos 88 anos, o padre Orlando Morna tem alguma dificuldade em compreender porque tarda a publicação da mesma. E não é o único.
A edição enquadrava-se no âmbito dos projectos editoriais da DRAC realizados no âmbito das comemorações dos 500 anos da Diocese, e deveria figurar ao lado de outros livros como ‘Plantar nova Christandade’: um desígnio jacobeu para a Diocese do Funchal. Frei Manuel Coutinho’, de Ana Cristina Machado Trindade, ‘A Igreja de São Jorge 1761-2011’, e ‘A Sé do Funchal: 1514-2014’, de Rui Carita, ‘As Missas do Parto na Ilha da Madeira. Uma Tradição a Preservar’, de Libânia Arminda Henriques Gomes, e ‘Dicionário das Festas, Romarias e Devoções da Madeira. Para Compreender a Piedade Popular Madeirense’, de Manuel da Encarnação Nóbrega da Gama.
O livro das bulas contém ainda uma cronologia da história da Diocese, cedida para esta edição pelos historiadores Rui Carita e Ana Cristina Machado Trindade, um catálogo dos bispos da Diocese de 1514 a 2014, e um conspecto biográfico do tradutor. Inclui ainda reproduções de pinturas do papa Leão X com os cardeais Giulio de’ Medici e Luigi de’ Rossi e uma nota assinada pelo coordenador do Serviço de Publicações, Marcelino de Castro, na qual o mesmo salienta que o livro constitui “(…) uma pequena parte de um trabalho mais vasto que certamente verá a luz do dia, num futuro que se espera não muito distante, tirando partido do labor meticuloso e sério, manifestado pelo tradutor dos textos (…)”, ou seja, o padre Orlando Morna. Marcelino de Castro enfatiza que esse trabalho de tradução foi já realizado, quer no que respeita ao arcebispado quer no que se refere às bulas de nomeação dos bispos, entre 1514 e 2007.
“Entre o riquíssimo património religioso, móvel e imóvel, de que nos orgulhamos, releva-se esta parte de património documental que deve, em todo o caso, ser salvaguardado. E justamente através da sua publicação em suporte papel, que ainda se apresenta como o modo mais seguro de preservação, para estudiosos e interessados em geral”, conclui Marcelino de Castro.
Aguarda-se que esta obra veja, de facto e finalmente, a luz  do dia.
Fonte: FN

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