sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Imunidade até um dia... 'Cuba livre' poderá deixar Jardim de fora... para responder daqui a anos


Alberto João Jardim não é (ainda) arguido no inquérito 'Cuba Livre'. O chefe do Executivo Regional só pode ser constituído arguido e interrogado nessa qualidade depois de levantada a imunidade por parte da Assembleia Legislativa da Madeira (ALM) ou do Conselho de Estado.
A única consequência é que, enquanto estiver pendente o levantamento da imunidade, o prazo de prescrição e de inquérito se suspende (artigo 120.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal (CP) e não há prazo limite para essa suspensão.
Ou seja, nem que seja daqui a 10 ou 20 anos (depois de perder a imunidade que lhe vem pelo exercício dos cargos) Jardim poderá responder perante a Justiça. Aliás Jardim tem um caso semelhante em relação a António Loja. O levantamento da imunidade (o CP qualifica-a como "falta de autorização legal") é apenas uma questão prejudicial que afecta quem a tem.
Em relação a ele o processo suspende-se e corre relativamente aos demais co-arguidos. Ou seja, é possível que o eventual despacho de arquivamento/acusação autonomize os factos que pendem contra os detentores de imunidade. Incluso Jardim. A 'arraia miúda' é que não terá escapadela. A Lei n.º 19/2013, ontem publicada, até mexe no artigo 120.º do CP, mas não toca na alínea a).
De resto, parece absurda, ainda que possível (para crimes graves), a ideia de um juiz, acompanhado de procuradores, irromperem na Quinta Vigia para notificarem o presidente do Governo Regional.
Quem iniciou o inquérito?
O inquérito foi iniciado com uma certidão enviada pela secção regional do Tribunal de Contas para o MP (Joana Marques Vidal) decorrentes de relatórios de auditoria, designadamente à Secretaria do Equipamento Social (SRES). A 16 de Setembro de 2011 o Banco de Portugal (BdP) e o Instituto Nacional de Estatística (INE) emitiram um comunicado conjunto. A 21 de Setembro de 2011, o ex-procurador, Pinto Monteiro anunciou a instauração de um inquérito-crime. Em Outubro de 2011 o PND formalizou uma queixa.
O que está em causa?
Na base do inquérito (sem prejuízo do que dele venha a ser apurado), estará a eventual ausência de reporte de dados estatísticos da Madeira para o INE, Ministério das Finanças (Inspecção-Geral de Finanças) e BdP. Uma alegada prática "grave", visto que esta 'omissão' obrigou à revisão dos défices de 2008 a 2010, para incluir no défice orçamental português 1.113,3 milhões de euros. O impacto da 'ocultação' no défice de 2008 é de 139,7 milhões de euros (0,08% do PIB), em 2009 de 58,3 milhões de euros (0,03%) e, em 2010, de 915,3 milhões de euros (0,53%).
Quem foi ouvido?
Nas instalações da GNR-Madeira (o que causou estranheza): Carlos Estudante, ex-director Regional de Estatística; Ricardo Reis, ex-chefe de gabinete da Secretaria Regional do Equipamento Social; Avelino Farinha, empresário; Paulo Sousa, director regional dos Edifícios Públicos; Rui Gonçalves, director regional de Finanças; José Manuel Ferreira, ex-presidente da empresa 'Estradas da Madeira' e outros funcionários da antiga SRES e responsáveis de empresas de construção civil.
Quem investiga?
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) liderado por Cândida Almeida (directora). Mas as procuradoras que estão especificamente no inquérito são Auristela Hermengarda de Albuquerque Sousa Gomes Pereira, de 51 anos, responsável por investigações aos casos 'Portucale' e compra dos submarinos; e Carla Margarida Neves Dias, indicada em Janeiro de 2008 para investigar a denúncia do bastonário Marinho Pinto sobre corrupção no Estado. Para além da vertente criminal, investigam inspectores tributários da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA).
O que procuram?
Os investigadores procuram 'truques', engenharias financeiras e contabilidade criativa que permitiu ocultar a "abençoada" dívida (expressão de Jardim). O que a investigação vai procurar apurar é se essa prática foi reiterada, livre e conscientemente. E quem foram os responsáveis.
Que crimes podem estar em jogo?
Associação criminosa; corrupção (activa ou passiva para acto lícito ou ilícito); prevaricação (até dois anos de prisão); peculato; peculato de uso; abuso de poder; falsificação de documentos (punido com pena até cinco anos de prisão); fraude fiscal; ou violação de normas de execução orçamental.
Que outras responsabilidades?
Para além da responsabilidade criminal/penal (que se apura em sede do inquérito 'Cuba Livre'), pode haver responsabilidade financeira (sancionatória e/ou reintegratória), responsabilidade civil, responsabilidade disciplinar, responsabilidade administrativa, responsabilidade tributária, responsabilidade política/eleitoral.
O que pode suceder?
No final do inquérito, o Ministério Público (MP) pode arquivar (total ou parcialmente) o inquérito ou acusar. A Justiça pode ainda notificar empresas de construção civil, por exemplo, para liquidar às Finanças impostos relativos a IRC ou IVA, acrescido de juros.
Tal diligência tem o efeito de suspender provisoriamente o processo que a eles diz respeito, com a concordância do juiz de instrução. Só se aplica a penas abstractas inferiores a 5 anos. Foi o que sucedeu no caso 'furacão'.
O que significa dizer "não sou técnico?"
Para efeitos da lei penal (386.º do Código Penal), a expressão funcionário abrange o funcionário civil, o agente da administração pública ou organismo de utilidade pública e os gestores e trabalhadores de empresas de capitais públicos ou concessionárias.
Não sendo "técnico de contas" isso não iliba de responsabilidades. Existe a lei dos titulares de cargos políticos. A autorização para deporem passa sempre pela Assembleia que levanta, ou não a imunidade. Quer para deporem como arguidos, testemunhas, denunciantes, denunciados, assistentes ou ofendidos. Assiste ainda a prerrogativa de poderem prestar depoimento por escrito. A lei dos titulares de cargos políticos pune com um ano de prisão quem assuma encargos não permitidos por lei, autorize pagamentos sem o visto do Tribunal de contas (TC), promova operações de tesouraria ou alterações orçamentais proibidas por lei.
Que material foi apreendido?
Discos rígidos de computadores, facturas, etc. Muita documentação que seguiu de avião militar para Lisboa. Mas também documentos pedidos às autoridades regionais: actas de reuniões (diz-se que do Conselho de Governo), deliberações, resoluções, circulares, despachos, adjudicações,etc.. É de testemunhos, do cruzamento de dados (empreiteiros, banca, Acordos de Regularização de Dívidas, perícias) que se urde o inquérito. O relatório do Núcleo de Assessoria Técnica foi entregue ao DCIAP a 4 de Dezembro último. Tudo elementos de prova.
O que já disse Jardim?
Após o anúncio da abertura do inquérito, Jardim rejeitou qualquer "intenção dolosa" de 'ocultar'. O  que houve, na sua óptica, foi omitir dados ao então governo PS de José Sócrates para evitar que a Região fosse penalizada na Lei de Finanças Regionais. Para Jardim a Região agiu "em legítima defesa". Depois veio com a conversa de não ser 'técnico' e ontem recusou-se a alimentar "novelas".
Fonte: DN

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