sábado, 7 de setembro de 2013

“Viciação e Fraude” nas eleições Entrevista a António Fontes


MP, CNe, Presidente e representante da República não são poupados às críticas
António Fontes tem sido um crítico das condições em que acontecem as eleições na Região. O ex-deputado, há muito, que vem a fazer denúncias públicas, queixas no Ministério Público (MP) e na Comissão Nacional de Eleições (CNE). Na pré-campanha já apresentou várias nesta entidade.
Vê diferenças das anteriores campanhas para a actual? Acho que há uma diferença para pior. Daí ser um dos autores das participações do Jornal da Madeira (JM), por tratamento jornalístico discriminatório das candidaturas da oposição e tratamento privilegiado das candidaturas do PSD-M.
Participações à CNE? Exactamente. 

Queixas em nome de uma força da oposição ou enquanto cidadão? Enquanto cidadão. Retirei a queixa da Net, subscrevi e mandei para a CNE. Hoje (quarta-feira) recebi a deliberação, tomada em plenário de 27 de Agosto, que vem condenar, reconhecer, uma vez mais, que o JM viola os deveres de neutralidade, imparcialidade, o que constitui ilícito criminal. Isto é a novidade, relativamente às anteriores - violação grosseira das leis eleitorais, designadamente o decreto lei de 85-D/75 de 26 de Fevereiro - e que há que tomar medidas provisórias. A CNE reconhece que depois das eleições não há nada a fazer. Por isso, adverte o JM no sentido de tratar as candidaturas de forma igual, sob pena de cometer um crime de desobediência, previsto no 348 do Código Penal.

Essa deliberação é suficiente? A nível nacional, por alegado pagamento, que Luís Filipe Menezes fez de contas de munícipes, fez-se um chinfrim de todo o tamanho. Aqui, estas decisões vão sendo tomadas e ninguém sabe o que é feito das participações ao MP.

O MP não faz o que deve? Onde está o MP? São ilícitos criminais que estão a ser cometidos no JM, nesta e em campanhas anteriores. O MP tem o dever de fazer queixas. Creio que terá feito. Mas o resulto até ao momento foi zero. Ninguém sabe, o resultado a nível da CNE. Não se sabe se participou ao MP, aos tribunais os crimes cometidos pelo JM. Se há ilícitos criminais, têm de chegar aos tribunais criminais.

As suas críticas são ao MP, à CNE ou a ambos? São muito mais ao MP, porque oficialmente tem de tomar conhecimento disto e abrir processos, de inquérito ou crime ao JM. Mas falo na CNE porque eles é que tomam as deliberações e têm de fazer chegar ao MP.
Mas aqui está metido também o senhor Presidente da República (PR), como garante daquela coisa muito sofisticada, o funcionamento regular das instituições. Isto é funcionamento desregular das instituições democráticas. Onde anda o senhor PR? Antes dele, onde anda o senhor Representante da República? Ele dirá, certamente, que não tem competências. Mas eu acho que ele tem olhos e, certamente, chegam ao Palácio de São Lourenço exemplares do JM. A crítica é feita ao actual e ao anterior. 
A própria Constituição tem normas que garantem que as leis eleitorais não podem ser violadas. Alguém tem de fazer chegar ao Constitucional o que se passa no JM. Tem de ser necessariamente o MP, se entender que há crime.
É necessário queixas ou o MP pode tomar a iniciativa? Que se saiba nunca o fez e em todas as eleições, pelo menos nas mais recentes, houve queixas na CNE sobre violações de leis eleitorais. Violações que conduzem, podem conduzir, a viciação e fraude dos actos eleitorais.
Não tenho a pretensão de andar a dizer que ando a pregar sozinho no deserto, mas nas últimas legislativas regionais, escrevi a todos os partidos, na altura enquanto deputado. Nenhum deles respondeu.
Em que sentido? No sentido de nos reunirmos e apresentar uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, por violação do artigo 3.º da Convenção que, no essencial, impõe aos estados-membros, na realização e organização do respectivo território, eleições livres, em termos de liberdade de expressão, respeito pelos princípios da isenção e da imparcialidade, tratamento não discriminatório de candidaturas e proibição de utilização de meios e a actos públicos de governo com fins eleitorais. Eu diria que isto cabe que nem uma luva em todos os actos eleitorais da Madeira.
Se quer um exemplo, veja o que o vice-presidente do Governo anda a fazer, com os candidatos do PSD ao lado, em inaugurações ou a fazer promessas. 
A viciação de que fala é só por essa via? A fraude eleitoral, além da componente JM, passa por viciar tecnicamente as eleições. Eu já disse isto há dois anos. O senhor presidente do Governo veio dizer: ‘Vamos apresentar uma queixa-crime contra o autor dessas declarações’.
E apresentou? Até hoje não apresentou nenhuma, porque ele tem medo de apresentar, porque sabe que eu tenho conhecimento, como ele tem, do que se passa do ponto de vista técnico, nas mesas eleitorais...
Como é que é feito? De variadíssimas formas. Não é só viciação do voto dado, que é fácil, uma segunda cruz considera o voto nulo, é também fazer votar pessoas que não vão às urnas, muitas delas até já morreram. Isto passa-se em grandes freguesias do Funchal...

Acontecia ou acontece? Eu sei que aconteceu nas últimas eleições, em 2011. E já com a oposição com os olhos mais abertos para as coisas. Passou-se em São Vicente, passou-se no Porto Moniz, em Machico, que é uma vergonha, passou-se em Santa Cruz.

Como evitar essa situação? Há um apelo que eu faço às pessoas que estão nas mesas: não abandonem as mesas um minuto que seja, nem para fazer xixi. Quando demorarem 5 ou 10 minutos a fazer xixi, tomem cuidado porque, quando lá chegarem, se havia 60 votos na urna, passa a haver 160. Se forem fazer xixi, levem as canetas todas. 

Já apresentou queixa no MP? Mais? O partido que eu representava fartou-se de apresentar queixas. Mas isto é público e notório. Qualquer pessoa sabe que é verdade, sobretudo as pessoas que fizeram agora dissidências e que estão como independentes. 
Se você fizesse uma auditoria, que é possível fazer, aos actos eleitorais realizados nos últimos 20 anos na Madeira, comparando os cadernos eleitorais com as votações concretas, tenha a certeza de uma coisa: o resultado corava o senhor Robert Mugabe e o Zimbábue e corava também o senhor Nicolás Maduro.
Que entidade deveria fazer promover essa auditoria? Todas as que lhe falei há pouco. Quer outro exemplo? Como é que, numa região de direito e em que é suposto haver uma democracia, se admite que alguém, na qualidade de presidente do Governo, vá a uma organização, que é a do rali Vinho Madeira, rasgue em público um exemplar do DIÁRIO de Notícias da Madeira e não haja consequência nenhuma? 
As entidades que referiu não podiam deixar passar esta situação? É óbvio que não. Ao rasgar um diário, está a rasgar a liberdade de imprensa. Imagine o que era o presidente Obama a rasgar o Washington Post. Imagine o que era o ‘odioso’ Passos Coelho a rasgar um exemplar de um semanário em Portugal. Nos Estados Unidos, arrumavam logo. A própria sociedade encostava logo o presidente...

É um dos problemas que temos, a sociedade? A sociedade está muito condicionada, obviamente. 
Pelo JM? Claro. Até considero um dos instrumentos políticos de viciação e fraude do acto eleitoral. A nossa ‘invasão’ no JM, feita pelo PND e que está para julgamento, foi quase como que um acto final de exercício de um direito, previsto na Convenção Europeia, na Constituição portuguesa e nas leis eleitorais. Já agora, gostava que o Tribunal de cá nos condenasse pela ‘invasão’ do JM, e que o Tribunal da Relação confirmasse a condenação para podermos expor a situação no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por via da queixa-crime feita pelo JM ao PND.

Mas as decisões do Tribunal Europeu e da CNE pouco servem após às eleições. Não passa tudo pela questão criminal? Tem total razão. A pulhice que o JM anda a fazer... As pessoas devem manter uma coluna vertebral. Refiro-me directamente ao senhor director Henrique Correia e este é o momento lúdico desta entrevista. O senhor director foi a este processo dizer isto: ‘A direcção do JM privilegia uma informação isenta’, podem começar a rir, ‘objectiva’, podem rir, e ‘rigorosa, respeitante de todas as áreas e pessoas com quem diariamente tem relacionamento informativo, tendo em vista fazer chegar aos leitores uma informação credível e de qualidade’. E depois diz que, por ter feito a queixa, enfermo de falta de credibilidade. Isto é para as pessoas rirem. Eu posso ter falta de credibilidade. Mas qualquer pessoa que pega num exemplar do JM sabe que o senhor director, ao dizer isto, está a ser bastante credível.
E as consequências? Vamos falar do MP, porque há indícios criminais. Quer nas campanhas eleitorais, quer nas pré-campanhas. A lei tem um artigo que diz: ‘Quem em flagrante desvio ou abuso de funções ou grave violação dos inerentes deveres’... pode sofrer sanções, que podem ir da perda de mandatos para os cargos electivos, demissão para os não electivos e proibição para o exercício de funções, artigo 66º do Código Penal.
Nunca nada disso... Nunca nada disto aconteceu. Por isso, volto a perguntar onde anda o MP, onde andam as participações feitas pelos partidos à CNE, onde anda o PR, onde anda o Representante? Há uma violação grosseira das leis eleitorais e a própria CNE diz isso. Isto chega ao MP e não há consequências nenhumas.
Veja o MP na questão da dívida oculta da Madeira. Eu já não percebo o que é que o MP está a investigar.
Houve a mudança de Procurador-geral... O autor do crime disse que tinha ocultado mil e 100 milhões de euros por obras, que tinha feito acordos... Foi uma confissão pública. Se ele foi ao processo dizer outra coisa, tem de ser valorada a discrepância de prova. Mesmo que seja uma declaração política tem de ser valorada do ponto de vista jurídico.
Outra coisa, que é crime, é a chamada divida odiosa. Algo que está a acontecer outra vez. É a chamada obra que é feita à pressa para ser inaugurada antes das eleições: obras que custavam ‘X’ e passam a custar ‘y’. É crime. O Tribunal de Contas tem dito isto e o MP não pega nisto, não sei porquê.
Enquanto cidadão, no período que falta até às eleições, tenciona tomar mais alguma iniciativa? Provavelmente utilizando as redes sociais, deveria tomar a iniciativa de lançar uma petição ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Mas é mais complicado, é necessário estudar ainda uma série de questões.
Foi proposto em 2011, que ninguém fosse a eleições. Disputar eleições nestas circunstâncias não vale nada. A única esperança que há é esta e eles estão com medo: como há independentes a se candidatar e com muitas pessoas que já estiveram dentro da máquina mafiosa, no bom sentido, do PSD-M, sabem como funciona. 
A esperança é capaz de começar no Norte.

São Vicente? Sim. No Porto Moniz, e já disse pessoalmente ao Emanuel Câmara, ele já ganhou eleições há muito anos. E há gente que já denunciou isso há muitos anos.
Penso que agora os partidos estão mais atentos, mas esses independentes como sabem, como tecnicamente se vicia eleições, penso que vão estar atentos nas mesas eleitorais e conseguir que as coisas mudem um pouco.
Não é por acaso que o presidente do Governo, que diz que se vai ausentar não sei para onde, e que vai ao adro, outra violação da lei eleitoral em que a oposição, infelizmente, também se mete.

Igreja: “é conivente na viciação ou fraude eleitoral”
n O Papa Francisco se tivesse conhecimento, se soubesse da viciação de resultados pelo JM, muito mais rapidamente do que o bispo do Funchal, tomava as rédeas do JM ou afastava a Diocese.
A Diocese pode ser vista como viciadora de resultados eleitorais?

De conivente. Não tenho dúvidas sobre isso. Fartei-me de dizer isso também. Não preguei sozinho, há muita gente, há 30 anos, a lutar pelo que eu estou a dizer. Os meios que tenho agora até são mais fáceis. Mas, isto só vai, a viciação dos actos eleitorais e a questão do JM, quando todos os partidos da oposição estiverem interessados nisto e alguns deixarem de fazer jogos aí. Fazem a denúncia e não vão até ao fim porque tocar na igreja é um problema.
Dá para perder votos.
Dá para perder votos e esse é que é o problema. Mas que a igreja é conivente na viciação ou fraude eleitoral, que existe na Madeira há 30 anos, é conivente, é conivente.

Pelo JM?
Pelo JM e não só. Hoje as coisas estão diferentes, mas eu sou do tempo em que se apelava ao voto dentro das próprias igrejas. Mas, ainda hoje, se eu fosse padre, na minha igreja ninguém pregava política no adro.
Há padres que o têm feito.
Sim, mas deveria ser a Diocese a tomar posição e não o pároco da própria igreja. Não sei mesmo se não deveria ser tomada uma posição junto do Vaticano. O concreto pode chegar às grandes hierarquias. A Diocese precisava demarcar-se da situação, como nunca o fez é conivente.

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