terça-feira, 21 de maio de 2013

O Artista



O candidato deve ter 47 anos, medir 1,78 m, cerca de 80 kg de peso, ter nascido no Monte, residir na Sé e o primeiro nome começar pela letra ‘J’, acabar em ‘E’ e ter um 'R' e um ‘G’ no meio. Se aparecerem dois ou mais que cumpram estes requisitos, é escolhido o que segue em anexo e tem a foto ao lado deste texto.
Foi mais ou menos assim que a Assembleia Legislativa da Madeira abriu concurso para um consultor parlamentar que terá como missão – pelo menos é o que consta do procedimento publicado no JORAM – acompanhamento, assessoria técnica especializada, investigação, estudo, planeamento, programação, concepção, adaptação e aplicação de métodos científico-técnicos que fundamentem e preparem a decisão de apoio à actividade parlamentar. Até aqui tudo bem, não fosse um pequeno pormenor do procedimento: o ideal, segundo a Assembleia, para exercer estas funções é alguém com formação em... Artes Plásticas. Não é anedota, é verdade, até já foi notícia. Não é para tratar da decoração do parlamento ou do inventário do património artístico, nem sequer para procurar as pratas que desapareceram há muitos anos, é mesmo para aquelas funções.
Mais caricato, ainda, é que além do candidato previsível ao lugar, o actual chefe de gabinete da Assembleia que é licenciado em Artes Plásticas, apareceram... mais três!!! Sim, gente bem intencionada e, talvez por ser jovem, ingénua que acredita que isto é um concurso. Assim como os da televisão em que quem ganhar uma prova qualquer é escolhido. Era bom que explicassem que estão a perder tempo.
Agora a sério – porque isto é muito sério e mexe com o nosso dinheiro -, não está em causa a escolha do chefe de gabinete de Miguel Mendonça. É um cargo da maior confiança política e cada um escolhe quem quer e em quem confia. Podia ter escolhido alguém com outra profissão qualquer, da agro-pecuária à aeronáutica ou à culinária, que ninguém tinha nada com isso. Nem se coloca em causa a competência do actual chefe de gabinete, um jovem que ainda não teve tempo para mostrar serviço e herda um lugar que ficou muito marcado pelo seu antecessor, um quadro político de topo do PSD-M. O que se questiona é a forma como as coisas foram (são) feitas, o descaramento colocado num documento oficial.
Este ‘procedimento’ para provimento de um lugar na Função Pública – o contrato é sem termo, o que quer dizer que quem entra já não sai - deve ser motivo de reflexão. Podem dizer que se faz assim em todos os serviços, mas não deixa de ser uma vergonha. No caso da Assembleia ainda maior, porque é o topo Autonomia e de onde deveriam partir os exemplos de transparência e boas práticas, políticas e administrativas. A mesma Assembleia que se queixa de ser maltratada por todos, sobretudo pela comunicação social a quem acusa de não reconhecer os seus méritos.
A outro nível, está em causa a verdade dos próprios concursos para provimento de lugares na administração pública, porque se é possível dizer e escrever que a melhor formação académica para desempenhar funções de ‘assessoria técnica parlamentar’ é em Artes Plásticas, então é permitido tudo, até contratar motoristas sem carta.
Fonte: DN Madeira

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