segunda-feira, 18 de março de 2013

O que dizer quando dizem que disse o que não disse.


«Poderão beber o próprio veneno que estão a provocar»


JORNAL da MADEIRA - A última Comissão Política Regional do PSD atribuiu-lhe a responsabilidade de liderar um grupo para repensar o futuro do partido. Como encara este desafio?
JAIME FILIPE RAMOS – É natural e saudável, quer os processos de mudança, quer os processos de renovação, dentro e fora dos partidos. É uma constante da vida não só do ponto de vista partidário, como do ponto de vista político, social e económico. O partido não é diferente.
Hoje, é necessário dar novas respostas, ter novos comportamentos, olhar para os sinais que vêm da sociedade e adaptar-se aos novos tempos.
O PSD-Madeira não é diferente dos outros partidos, e este é um sinal não só de um reconhecimento da necessidade de adaptação do partido, como também é um sinal do próprio líder, Dr. Alberto João Jardim, de que o partido deve estar atendo a essa vontade que vem, neste caso, da população.

JM – Por onde deve começar essa mudança?
JFR – Penso que a palavra mudança poderá não ser a melhor opção. Eu penso que a questão é saber quais são as renovações e alterações que devemos fazer para estarmos preparados para os próximos anos.

JM – E quais são?
JFR – Passa por várias: o posicionamento na sociedade, ouvir mais a sociedade civil, a questão da reorganização interna, a capacidade de promoção de quadros do partido... Há vários factores que obedecem a uma reflexão, mas que, obviamente, não faz sentido estar a antecipar. Esse trabalho será feito por mim e por um conjunto de pessoas que, a seu tempo, saberão quais são.

JM – Foi surpreendido pela decisão ou já a conhecia antes da reunião?
JFR – Eu não sabia. Eu e toda a Comissão Política fomos surpreendidos. O presidente entendeu transmitir essa mensagem, e, a seu tempo, vamos fazer a constituição dessa equipa, dentro dos elementos da própria Comissão Política, conforme foi proposto pelo próprio presidente do partido. Foi com vontade de trabalhar que aceitei o desafio e espero vir a fazer um trabalho útil para o partido, porque acho que o PSD precisa de uma reflexão e tem de ter a noção que a renovação faz parte do seu ADN e, portanto, não podemos fugir a uma realidade para a qual importa que os partidos estejam preparados. Não vejo daqui algo que possa ser considerado uma crítica ao actual estado do partido ou de alteração do que está a ser feito, mas uma mudança natural.
JM – O grupo será composto apenas por elementos que fazem parte da Comissão Política?
JFR – No início do processo, sim. Mas, depois, abrangerá muitas mais pessoas naquilo que será o trabalho, uma vez que este não se vai cingir aos membros da Comissão Política, independentemente do grupo inicial.

JM – Pode divulgar alguns nomes da equipa?
JFR – Neste momento, não. Não faz sentido antecipar algo que passa primeiro pelo conhecimento das próprias pessoas. Mas as escolhas vão passar não só pelas sensibilidades políticas, geográficas e de áreas de acção das próprias pessoas, mas também – e isto é o que eu considero mais importante – a definição que cada uma delas tem do próprio partido. Penso que será nesse equilíbrio que vamos trabalhar.

JM – Quando estará concluído o grupo?
JFR – Até ao final do mês.

JM – O presidente da Comissão Política Regional disse que a reflexão sobre o futuro deve também avaliar a permanência do PSD-Madeira na estrutura nacional do partido ou a formação de um novo partido...
JFR – Se vamos fazer uma reflexão, temos de pôr em causa tudo o que está hoje subjacente à actividade do partido, quer seja na sua relação interna com as estruturas de concelhia e freguesia, quer seja na sua relação com os órgãos de governo próprio, quer seja na sua relação com o PSD nacional, quer seja naquilo que pretende para a Região.
A relação com o PSD nacional será mais uma questão para reflectir. Importa, no entanto, realçar que o PSD-M não é uma filial do PSD nacional e que tem uma identidade própria e não prescinde da sua autonomia e da defesa do interesse da Região. Essa matriz nós não vamos prescindir. Se isso é feito num contexto de maior respeito do PSD nacional à autonomia do PSD-M ou se é num contexto de haver um partido regional, acho que é muito cedo para se chegar a uma conclusão. Não acho que isso, neste momento, deva ser posto em cima da mesa. O que deve haver é uma reflexão sobre o caminho que o PSD-M tem de percorrer, ou seja, se é assegurar a sua autonomia, porque ela é plena em termos estatutários, mas em termos políticos reconheço que há necessidade de uma maior afirmação, porque o PSD nacional nem sempre a tem respeitado.

JM – Já têm surgido leituras sobre esta sua nova função, entre as quais de entrar na corrida pela sucessão. Vê-se como um “delfim”?
JFR – Essa questão dos “delfins” tem sido vista como uma antecâmara para alguém se sentir queimado politicamente. Não acho que essa seja uma questão a colocar neste processo. É apenas um contributo de um grupo de pessoas que vai ser feito. Não acho que essa leitura esteja correcta. Acho que cada militante deve disponibilizar-se para o partido e sentir-se útil no mesmo. Não vejo a decisão como uma promoção, é apenas um contributo para o qual darei o meu melhor. Em relação ao futuro, todos sabemos que em política não se pode perspectivar com muita longevidade. Temos de pensar no quotidiano. O que quero transmitir é que gosto de fazer política. Gostava e quero continuar a fazer política sem pensar em lugares. Que eu saiba, na política, a nossa disponibilidade não se resume a ser presidente do partido. Há formas, se calhar, mais úteis, de servir o partido do que apenas ter a ambição de ser presidente, provavelmente por alguma vaidade pessoal.

JM - Atravessamos um momento particularmente significativo na política regional. Na última semana foram discutidas duas moções de censura e uma de confiança. Há eleições Autárquicas mais para o final do ano. Em 2012, houve uma disputa interna pela liderança do partido. Como avalia o momento político que a Madeira está a viver?
JFR – Eu acho que a actual situação está caracterizada por uma crise social e económica que afecta a Região, porque afectou o todo nacional, e não só. Com base nisso, tem-se vindo a verificar um conflito permanente entre os partidos da oposição e o PSD-M, que, a meu ver, têm tido, lamentavelmente, alguns episódios internos pouco favoráveis à coesão do PSD-M.
Num momento destes o PSD-M deveria manter uma coesão forte, capaz de, pelo menos, fazer frente a esta oposição. Sobre a questão interna do partido, julgo que é natural que, a partir do momento em que o Dr. Alberto João Jardim anuncia a sua saída, possa haver um posicionamento interno relativamente ao futuro. Acho que isso é natural. Provavelmente, não há o hábito no PSD-M, porque havia uma liderança forte, coesa e com capacidade de continuidade. A partir do momento em que há perspectiva de haver alteração da liderança, iniciou-se um novo processo. Muitas das situações não têm decorrido de uma forma desejável, porque fragilizar o partido num momento destes não é, em minha opinião, um bom contributo, e não se podem esquecer que muitos daqueles que hoje acusam a actual liderança, amanhã podem ser vítimas dessas mesmas acusações. E poderão até beber o próprio veneno que hoje estão a tentar provocar dentro do partido. Essa é uma razão que me preocupa, porque independentemente das nossas discordâncias, não há partido de poder se não existir unidade e coesão. Isso é certo. O desmembramento do partido será, a meu ver, a maior ameaça que pode acontecer ao PSD-M.
Em relação ao futuro do partido, julgo que, perante a população, há uma consciência de que a alternativa ao PSD é o próprio PSD. Portanto, o partido tem de ultrapassar rapidamente estas situações internas e encontrar-se, arranjar uma solução e, novamente, tentar passar a mensagem à população que é alternativa a si próprio.
Eu acho natural haver candidaturas, não pode é haver facções e divisões dentro do partido.

JM – Foi isso que aconteceu?
JFR – Julgo que sim, infelizmente. Após um acto eleitoral deve haver uma capacidade de unir novamente o partido, mas também deve haver seriedade naqueles que perderam e respeito pelos que ganharam.

JM – Se não houver unidade, qual será o prejuízo para o partido?
JFR – Será um prejuízo em termos eleitorais. As eleições deste ano têm características específicas. São as que se escolhe os candidatos locais. Não se está a defender uma estratégia regional ou nacional. Estamos a definir a estratégia ao nível dos municípios e das freguesias. Aí, há que ter os melhores representantes e, para mim, o PSD continua a ter os melhores quadros. Portanto, estou convicto que haverá um bom resultado eleitoral, face aos quadros que temos. Espero é que haja daqueles que, a meu ver, poderão tentar reeditar episódios anteriores seriedade, no sentido de também contribuírem para a vitória do PSD.

JM – Para bem do partido, considera que deve haver disputas internas antes das eleições legislativas regionais de 2015?
JFR – Só quero dizer que houve um calendário definido no último congresso, que deve ser respeitado. Se tal acontecer, é saudável e desejável que, em Dezembro de 2014, possa haver disputas no congresso do partido. Esse será o momento certo para o fazerem.

JM – E até lá?
JFR - Até lá, na minha opinião, deviam contribuir para os resultados do PSD. Eu não gostaria de ter um candidato ao PSD-Madeira em 2014 que, até esse momento, não tenha feito tudo para que o partido ganhe os seus desafios eleitorais. Seria mau para o PSD-M chegar a 2014 com algum dos candidatos que - por exemplo, neste ano de eleições Autárquicas - não se tenha esforçado para a vitória do partido, seja qual for o concelho da Região.

Voto contra se não houver alterações

JM – Num momento em que na Assembleia da República está a ser discutida a nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas, são muitas as críticas que têm sido feitas à proposta, sobretudo porque esta se aproxima mais da lei de 2007 do que da lei de 2010. Que expectativas mantém?
JFR – As nossas expectativas negociais não são muito elevadas, porque temos de reconhecer que a actual coligação da República está limitada na sua acção, face ao estado actual do País. Mas há matérias que estão a ser discutidas e que nada têm a ver com a “troika”. É preciso recordar que o memorando apenas estabelecia dois princípios: a redução do diferencial fiscal de 30% para 20% e regras orçamentais. Aceitamos regras orçamentais, mas queremos que sejam iguais às do Estado Português. Nem mais, nem menos. Queremos também ser apoiados pelo Fundo de Coesão.
Mas esta lei foi mais longe. Está a ser mais restritiva do que aquilo que tinha sido pedido pela “troika”. Neste momento, entendemos que a discussão tem de ser feita, ao nível de uma boa relação do Estado com as regiões, e não de alguma prepotência política relativamente à Região Autónoma da Madeira, o que seria negativo num processo destes.
Em minha opinião, se não houver alterações de substância, os deputados madeirenses do PSD não podem mudar o seu sentido de votação, ou seja, manter o voto contra.

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