quinta-feira, 28 de março de 2013

O PCP contra as Greves (Maio de 1974)



A política do PCP em Maio de 1974 centra-se na denúncia das greves que grassavam no País. Esse é o assunto de todos os editorais do Avante! e de todos os comunicados do CC do PCP (à excepção de um comunicado em que se condena a ida de Américo Tomás e Marcelo Caetano para o Brasil[1]). O título do comunicado do Comité Central de 28 de Maio sobre as greves é: «Contra as manobras da reacção[2]». Dirige-se a «toda a classe operária»: «Estamos perante o conluio dos elementos mais reaccionários ainda não desalojados das suas posições pelo movimento de 25 de Abril, os quais, com a ajuda consciente de grupos aventureiros ditos de esquerda, procuram empurrar a situação para o caos económico e destruir as conquistas democráticas até agora alcançadas. (…) é necessário impedir que se arrastem os conflitos sociais, que a vida económica e social seja gravemente afectada por greves, que a desorganização da produção dos transportes e dos abastecimento provoquem um amplo descontentamento (…).»[3]
No dia 22 de Maio, no meio das greves das seguradoras, os sindicalistas do PCP começam a alertar para os perigos da «anarquia económica». No dia 23, a Intersindical alerta os trabalhadores para que devem evitar «greves inoportunas» (Santos et al, 1976; Rodrigues, 1994). Uma das greves mais importantes que teve a oposição do PCP foi a dos CTT. O PCP, num comunicado da DORL, reproduzido em panfleto por todo o País pelas direcções regionais e comissões concelhias, acusa a comissão pró-sindical de não ter hesitado em «atirar 35 000 trabalhadores para a greve»: «(…) Face à greve dos CTT, o Partido Comunista Português tem o dever de alertar os trabalhadores e o povo português para as implicações políticas e sociais dela decorrentes (…) O seu objectivo está à vista. Lançar os trabalhadores contra o Governo Provisório e fomentar um clima de descontentamento e de revolta, que só à reacção e ao fascismo aproveitam. (…)»[4].
O editorial do Avante! de 31 de Maio de 1974 considera que o «principal problema do momento político» (título do editorial) são as greves, focos artificiais do descontentamento popular: «As greves da Carris, de Lisboa, da panificação, da Central de Lisboa dos CTT e algumas outras, juntamente com manejos e boatos alarmistas tendentes a desorganizar os transportes e o abastecimento público (…) A arma da greve – que é um direito agora conquistado – não pode ser usada com leviandade. No contexto político actual é preciso esgotar outras formas de luta, tais como a negociação com o patronato, na obtenção das justas reivindicações e só então – e sempre com olhos postos no que é fundamental e no que é secundário – a arma da greve deve ser usada como forma justa de vencer a resistência do patronato[5]».
No dia 1 de Junho de 1974, a Intersindical organiza uma manifestação contra as greves. Realiza-se no Parque Eduardo VII. O PCP mobiliza para a manifestação da Intersindical chamando todos os trabalhadores a participarem nesta manifestação de «protesto contra as manobras dos inimigos dos trabalhadores e de solidariedade às Forças Armadas»[6]. A manifestação terá contado, segundo dados do PCP, com 10 000 trabalhadores, que gritaram «Não à greve pela greve!»[7]. Avelino Gonçalves, membro do PCP e ministro do Trabalho, discursa nesta manifestação da Intersindical: « Em nome do Governo, e em particular do Ministério do Trabalho, agradeço a vossa manifestação»[8].
O PCP argumenta que quem está a organizar as greves são os grandes monopólios que, ao concederam salários elevados, desorganizam a vida económica e assim preparam a contra-revolução. Segundo este argumento, eram os grandes monopólios, em articulação com a extrema-esquerda, que concediam os salários e não os trabalhadores que os conquistavam com greves e ocupações de fábricas e empresas. Vejamos um dos comunicados do Comité Central de Maio a este propósito: «Tais elementos [os ‘elementos mais reaccionários ainda não desalojados das suas posições’, ‘com a ajuda consciente de aventureiros ditos de esquerda’], manobrando com a miséria dos trabalhadores que provocaram em dezenas de anos de exploração, mostram-se agora singularmente solícitos e generosos em relação às suas reivindicações, provocando a ruína e a falência das pequenas e médias empresas (…)»[9].
Este argumento era insólito e inexplicável na medida em que o PCP acusava certos patrões de promoverem greves que o Governo Provisório, incluindo o PSD e o presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola, tentam, de todas as formas, conter e em alguns casos, como nos CTT, com intervenção repressiva armada.
Mas a situação no País era distinta. As greves não eram minoritárias e, no final de Maio, o País estava paralisado por greves que são, objectivamente, recorde-se, «formas de luta, coerção e poder nas quais os trabalhadores forçam a mudança económica, social ou política» (Van der Linden, 2008: 182). A pujança destas greves era tão visível que o PCP sente-se forçado a evocar, dirigindo-se aos trabalhadores, que quem está no poder já não é o regime fascista[10].  O problema real do surto grevista de Maio e Junho para o PCP é que este escapava ao seu controle, punha em causa o Governo Provisório e engrossava as fileiras dos militantes da extrema-esquerda. O PCP teme que a agitação laboral ponha em causa a sua posição no Governo Provisório. Era legítimo que PS e PSD se questionassem: se o PCP não continha as greves e manifestações, então para que era necessário manter a coligação com os comunistas?
O PCP vem, desde o dia 4 de Maio, a denunciar os grupos à sua esquerda como «agentes da contra-revolução»[11]. Normalmente são classificados, todos sem distinção, de grupos «pseudo-revolucionários». Parece certo, como argumenta António Ventura, que a entrada do PCP no Governo Provisório e o seu esforço para pôr fim às greves contribuiu para que muitas comissões de trabalhadores fossem dirigidas por grupos de extrema-esquerda, que, apesar de muitos e ideologicamente distintos, também crescem, e em grande medida esse crescimento dá-se onde o PCP tenta controlar ou pôr fim aos conflitos de classe (Ventura, 1985:229).
Mais tarde será porém reconhecido nas páginas de O Militante que esta posição contra as greves provocou danos no partido: reconhece-se por um lado que os trabalhadores são atraídos pela extrema-esquerda por causa da política da Intersindical em «não ter apoiado certas greves» e por outro considera-se, em Julho de 1975, quando o PCP já tem uma política clara de tentar dirigir as comissões de trabalhadores, que os militantes têm dificuldade em militar nestas e que actuam com grande «sectarismo»[12]. O partido tomou, no entanto, algumas precauções quando levou a cabo esta política. Avelino Gonçalves será substituído. Álvaro Cunhal mantém-se no Governo, mas como ministro sem pasta para que este não fosse directamente responsabilizado pelas medidas governamentais.
Fonte: http://blog.5dias.net/

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