sábado, 17 de novembro de 2012

Até tu, Joe Berardo?



Entrevista com Joe Berardo


A Madeira precisa de sangue novo


Nas empresas e na política. O comendador madeirense acha que não deve haver excepções, nem eternizações nos cargos. O "amigo" Jardim já deveria ter abandonado a liderança do PSD e do Governo Regional. O resultado "surpreendente" de Miguel Albuquerque nas eleições internas era, na sua opinião, motivo para a passagem de testemunho. Contra os favores na política, cá e lá, Joe Berardo ataca o Presidente da República e diz que está na altura de acabar com a 'palhaçada'.
Partilha da ideia de que os portugueses viveram acima das suas possibilidades? Não há dúvidas. Se há crédito, o ser humano quer ter uma melhor vida. Como se paga? Depois vê-se.

O Joe Berardo viveu acima das suas possibilidades? Tenho uma vida muito pacata. Onde eu gasto mais dinheiro é na cultura, mas foi na cultura em que investi seriamente e é sempre um valor.

A sua colecção está em risco? Deu-a como garantia de empréstimo para comprar acções do BCP... Não, os advogados tratam disso.

Não fica preocupado de perder esse acervo?Não estou em risco de perder nada. Sinto que numa altura em que não tinha dado garantia nenhuma, eram as acções. Bem, temos de ajudar toda a gente e eu dei mais garantias, nem toda a gente fez isso.
Mas qual é que é a sua situação actual? Notícias recentes dão conta de que o BBVA penhorou-lhe bens. O que é que eles me vão penhorar? Um carro velho, dois carros, que não eram meus. São de uma das companhias. É uma injustiça, foi uma falsidade e é por isso que ando em Tribunal. Eu nem fui ouvido em Tribunal, mas agora vamos para o Supremo e isso vai ser resolvido.

Relativamente ao BCP, qual é a situação? Está difícil, como está em todos os bancos onde tenho acções.

O BCP foi a sua 'jóia da coroa'... O investimento que fiz foi emocional. Foi a minha batalha por causa do escândalo que estava a acontecer no BCP. Ficou provado. Ele [Jardim Gonçalves] ainda recebe um montante que não cabe na cabeça de ninguém. Eu acho que é ilegal o que fizeram. Toda a gente recebe do fundo de pensões e eles fizeram um fundo separado. A lei para mim é clara não se pode dar benefícios aos administradores, que não se dão aos trabalhadores. Mas os tribunais estão cheios e isto arrasta-se.

Está arrependido? Um empresário com a sua experiência pode tomar decisões emocionais? Não estou arrependido nada. Numa altura tinha o investimento e queriam comprar a minha percentagem porque comecei a levantar problemas. Tive uma reunião com o conselho de administração, que incluiu também o meu filho e o meu advogado. Podíamos receber o dinheiro e seguir para a frente. Mas o meu filho, que é um homem de palavra como eu, disse-me: 'Não há dinheiro que compre a nossa dignidade'. O que mais me emociona na minha vida foi ter conseguido que aquele conselho de administração venha a ser responsabilizado pelas coisas más que fez. Eu sou um trabalhador, não sou uma pessoa com influência política. A única coisa que tenho é dizer o que sinto. Penso que tenho razão, não quer dizer que a tenha.

O que sente quando vê a situação actual do país? Fico muito triste. Acho que o país está a ir por uma via que não chego a compreender. Como é que é possível num país com tanta juventude e o que se vê é que os trabalhos 'fixes', que dão uma remuneração boa, são todos para favores da política. Isso é imperdoável. O nosso Presidente da República esteve envolvido com o homem do BPN, o Oliveira e Costa, que esteve envolvido num perdão fiscal para benefícios próprios. Foi para tribunal, e uns anos depois não é que o primeiro-ministro [Cavaco Silva] dá-lhe uma licença bancária? A um homem que fez o que fez. Mas se é para eu falar nisto nunca mais saímos daqui...

É uma questão relevante... Depois há as fundações, os presidentes foram pessoas que ajudaram o Presidente da República na campanha: o presidente do CCB, que é reformado. Não há gente que possa trabalhar em lugares chave sem serem reformados. Eles guardam os empregos para pessoas reformadas, porque devem favores a uns e a outros.

E Cavaco Silva também pagou esses favores? Então não é? Se eles estavam envolvidos na campanha do Presidente. Porque razão não se encontra uma pessoa jovem? E esse homem [Vasco Graça Moura] nem respeita o 'acordo ortográfico'. Mas ele trabalha para o Governo, é reformado do Governo e põe-se a dizer mal de uma coisa aprovada e que está em vigor.

Mas acha que é possível mudar esta situação de 'compadrio? Sei que estou a mexer numa coisa muito sensível, mas cada um defende-se a si próprio. Nós pagámos, elegemos, votámos neles e depois acontece esta palhaçada. Vá ver as fundações do Governo, a EDP, a Calouste Gulbenkian, não encontra ninguém sem serem reformados. Como é que se vai modernizar o país? Como é que é possível um deputado com 12 anos de casa ser reformado?

Essa lei já foi alterada no continente e nos Açores e agora essa situação só acontece na Madeira. É contra? Sou contra os abusos seja onde for, seja aqui, seja em África. Tem de haver justiça. Citando Saramago, não é preciso atacar a democracia porque ela está-se a matar a si própria nas mãos dos nossos dirigentes. Não há respeito.
Calculo também que não concorde com o facto de o presidente do Governo Regional da Madeira acumular reforma com ordenado? Não sei quem manda nessas coisas. Não sei ao pormenor. Vou estar com o presidente na segunda-feira, não sei se ele é bem pago ou mal pago, não sou eu que mando. Mas discordo. Ou está reformado ou está activo.
A sua fundação também leva um corte de 30%. O que vai mudar? Temos de ser realistas. Não há dinheiro. Trazíamos muitas exposições do exterior para juntar às nossas, vamos ter de reduzir isso. Eu tenho quadros que ainda não foram mostrados. Vamos fazer tudo para a Fundação não despedir pessoas. Mas sabemos que as coisas não podem ser com antigamente.

Também para si? Qual foi o último quadro que comprou? Foi na semana passada, não falo disso, mas ainda há pouco fiz uma proposta para comprar uma colecção na Alemanha. Estamos a negociar.

Já falou com o novo secretário de Estado da Cultura? Falei na quinta-feira à noite, num jantar com Paulo Portas, Miguel Relvas. Nunca tive uma relação que não seja cordial. O que se passa é que eu tenho uma lei que foi discutida no Parlamento, e assinada pelo Presidente da República. Se as pessoas acharem que já não a querem, é preciso sentar e denunciar o contrato.

Como vê as manifestações e o aumento de violência no país? Não acho que a violência vá resolver o problema. É o mesmo que uma pessoa tem uma casa má ao lado de uma casa boa e decide ir destruir a boa, em vez de tentar lá chegar.

Vai à Madeira quase todas a semanas. Sente dificuldades acrescidas? Muitas. Quantas pessoas me escrevem, param-me na rua... Não posso ajudar toda a gente, mas tenho um problema que sei o que é não ter dinheiro, sei o que é ser pobre. Fui pobre, mas nunca fui desgraçado. A minha mãe sempre nos disse se alguém batesse à porta a pedir não devíamos deixar sair sem dar alguma coisa, nem que fosse uma banana. Foram os meus pais que me transmitiram isto de ajudar os outros.

Como vê a situação política regional. Os resultados nas eleições do PSD-M surpreenderam muita gente... Até a mim. Não estava à espera. Sou amigo de longa data do Alberto João Jardim, também do Miguel Albuquerque e não me meto em política. Eu compreendo o Jardim querer deixar a Madeira mais ou menos antes de sair, melhor estabelecida. Mas acho que tudo tem o seu tempo. Acho que ele teve uma oportunidade única. Acho que ele poderia ter dito que o Albuquerque com a percentagem que teve seria legítima a passagem de testemunho. Sei que há pessoas que se sentem em melhor condições do que ele.

O Miguel Albuquerque? O que estou a dizer é que tem de haver sangue novo e novas pessoas.

O que defende para as empresas defende também para a política, mesmo para o seu amigo Jardim? Para toda a gente. Eu também estou a passar as minhas coisas para os meus filhos, para os gerentes. Em todo lado tenho pessoas a dirigir as coisas. Quando é que ele vai passar? A Madeira precisa de... seja o Miguel ou não. Já é tempo de ter uma relação com o continente. Goste-se ou não, o 'cacau' vai de Lisboa. A Madeira não pode viver sozinha.

"Sei viver sem dinheiro. Sei cozer, quando fui para a África do Sul fui trabalhar para a agricultura. Já fui gerente de restaurante, já fui presidente de banco, tenho uma vasta experiência"
"Há pessoas que gostam de se rodear com 'yes, people', eu não, gosto de me rodear de quem sabe"
"O Presidente da República é uma das pessoas responsáveis pelo que está a acontecer no país: agora manda as pessoas olharem o mar, quando pagava para não pescarem"
"Toda a gente devia ser obrigada a votar como em muitas partes no Mundo"
"O que mais me custou como empresário foi despedir pessoas"
"Só o buraco do BPN é superior ao da Madeira, tudo porque deram uma licença bancária a um homem que não a devia ter tido devido ao seu passado"
"Não estou a dizer que sou um santo, mas tenho os meus métodos"
"No 'offshore' nós nunca investimos porque nunca acreditámos naquilo".
"A única salvação que temos para a Zona Franca é a Madeira ser como Singapura, Mónaco, Bahamas. Tem de ser oficial e tem de ser do Governo e controlado ao nível estatal"
"Dou muito menos bolsas de estudo, sou mais exigente, até porque é investir para os alunos emigrarem"

Fonte: DN Madeira

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