terça-feira, 9 de outubro de 2012

"Jardinismo está em agonia" Entrevista a Vicente Jorge Silva


Deve haver serviço público na TV, tenho dúvidas que só possa ser feito por via estatal. Tenho pena que um jornal (JM) se torne numa folha de propaganda tão acéfala. Há um défice democrático, agressões à Constituição, há promiscuidade. [O povo] votou por ignorância porque não houve transição democrática.
Começou no jornalismo antes do 25 de Abril, no 'Comércio do Funchal', jornal de referência no panorama nacional, contornando a censura da ditadura. Foi responsável pela revista do 'Expresso' e primeiro director do 'Público'. Esteve na política regional apenas no pós-25 de Abril, nos tempos da UPM.
Vicente Jorge Silva, jornalista. É o que continua a ser? Jornalista, sempre. Estou reformado, mas sou sempre jornalista.
Começou antes do 25 de Abril, com o 'Comércio do Funchal', e a partir daí esteve sempre activo. Olhando para a nossa realidade, valeu a pena esse empenho? Do ponto de vista da minha actividade profissional valeu a pena, sem dúvida. Fiz coisas que foram muito gratificantes, como o 'Comércio do Funchal', o 'Expresso', onde trabalhei quinze anos - fiz a Revista do Expresso, que foi a coisa que mais me marcou - e fui o primeiro director do 'Público'.
Foi um percurso muito preenchido mas todas essas lutas e projectos em que se empenhou valeram a pena, ou algumas foram tempo perdido? Não, nada foi tempo perdido. Considero-me um optimista, mesmo olhando para o mundo à minha volta. Perdi algumas razões de optimismo, no entanto acho que vale sempre a pena, desde que se façam coisas que vemos que tiveram um papel importante que, por exemplo, foram lidas e tiveram um certo papel na sociedade da altura.
Como aconteceu com os jornais por onde passou. Essas três experiências que falei e outras, muito mais cedo que o 'Comércio do Funchal', valeram a pena. No 'Jornal da Madeira', por exemplo, lembro-me do tempo em que eram chefes de redacção os meus amigos padre Jardim Gonçalves e Paquete de Oliveira e quando estava lá o João Carlos Abreu, como jornalista, fizemos uma página de espectáculos que teve algum impacto. Depois acabou porque a diocese não gostava das críticas de cinema que eu fazia. Mas tudo o que fiz, foi com prazer. Quando achei que já não tinha condições, como aconteceu com o 'Público', saí.
Como foi fazer o 'Comércio do Funchal', uma referência na comunicação social de antes do 25 de Abril? Há uma primeira fase em que o jornal é muito virado para a realidade madeirense. Depois, a partir do momento em que começa a ser lido ao nível nacional e tem projecção nas colónias, levado pelos milicianos - chegámos a vender 15 mil exemplares e metade eram assinantes -, ganhou outra dimensão. O problema é que o 'CF', depois do 25 de Abril, esgotou o seu papel.
Já não era necessário contornar a censura. Exacto. Por outro lado, houve um confronto, uma divergência fundamental com uma parte das pessoas, que era maioritária, que pretendia que o jornal tivesse um papel político activo e comprometido partidariamente, um grupo à volta da UDP.
Foi no tempo em que participou na UPM (União dos Povos da Madeira)? Eu ainda fiz parte da UPM, mas rapidamente percebi que o meu papel na vida político-partidária não fazia sentido. Muito mais tarde tive uma experiência como deputado do PS e cheguei à conclusão que isso era muito difícil, quase impossível.
Foi algo que fez sem prazer? Para mim é difícil conciliar a liberdade do jornalismo e a disciplina partidária que eu acho que é inevitável, porque um partido não funciona sem disciplina.
Depois do 'CM' foi para Lisboa e começou uma carreira no jornalismo nacional. Fui trabalhar para o 'Expresso'. Havia a possibilidade de para 'A Capital', mas acabei por ficar no 'Expresso' porque tinha um bom ambiente, senti-me bem acolhido e fiquei lá durante quinze anos.
Depois foi o lançamento do 'Público'. Como foi passar de um semanário para um jornal diário? Um grande grupo de jornalistas do 'Expresso', cerca de 50, sobretudo da Revista, da Economia e da redacção do Porto, foi todo para o 'Público', porque sentíamos, numa altura em que só havia a RTP e as rádios eram muito incipientes, que era necessário ir ao encontro da actualidade e a actualidade fazia-se diariamente e não de semana a semana. Hoje já não penso exactamente assim e acho que talvez a reflexão semanal sobre os acontecimentos tenha um papel, outra vez, muito importante. O 'directo', na televisão e na rádio e, sobretudo, a Internet, mudaram muito a informação.
Depois desse percurso, olhando para a comunicação social, que análise faz? Devido à crise em que nos encontramos, a imprensa escrita e as televisões estão numa fase muito crítica, embora esse não seja um problema nacional, é internacional.
Se aparecer mais um canal privado não vai piorar? Se aparecer mais uma canal, mais complicado se torna. Embora eu já tenha dito que a RTP não faz serviço público...
Justifica-se uma estação pública? Eu acho que deve haver serviço público na televisão, tenho dúvidas que só possa ser feito por via estatal. Acho que o serviço público pode ser feito por meios privados e o Estado pode dinamizar um espaço mais vasto, em vez de ser um canal público.
Mas há espaço para mais um canal privado? Acho que há espaço, na medida em que todos se repetem uns aos outros. A própria RTP1 tem aqueles programas antes do jantar e depois do telejornal que uma televisão privada poderia fazer. Não faz sentido haver um serviço público para coisas que os privados fazem. O serviço público deve ser para coisas que os privados não contemplam.
Isso não é o que faz a RTP2? Um amigo meu, o Jorge Wemans, que foi meu director-adjunto no 'Público', não terá gostado do que eu escrevi, mas acho que mesmo a RTP2, tirando dois ou três programas, não é satisfatória em serviço público.
E como vê a comunicação social da Região? Sinceramente, acompanho pouco. Já vi a televisão regional e, repito, acho que não acrescenta nada. Como disse (nas declarações ao 'Sol'), vejo pouco, mas parecia-me que repetia o que vinha de lá (continente) e a maior parte eram programas fracos que não correspondiam às necessidades de serviço público. O único jornal, com expressão pública, que me parece independente é o 'Diário de Notícias'. O 'Jornal da Madeira' já toda a gente sabe o que é. É uma folha de propaganda do Governo Regional.
Não fica desiludido, depois de ter passado pelo 'JM'? Eu fazia uma página de espectáculos quando era rapaz. Hoje é completamente diferente. Tenho pena que um jornal se torne numa folha de propaganda tão acéfala. Isso faz-me impressão, sim. Depois, também acho que as pessoas não lêem, porque não tem credibilidade nenhuma. É uma ilusão do presidente do Governo Regional que pensa que escrevendo um artigo no Jornal da Madeira vai ter alguma importância. É uma visão muito antiquada do papel da imprensa.
Pode ter importância dentro do PSD? Isso só mostra o lado fechado, ensimesmado deles que pensam que isso tem importância. Não tem. Se fosse lido, procurado, não era oferecido, como é.
O certo é que, ao fim de todos estes anos, Alberto João Jardim permanece. Sim, mas isso é uma fatalidade. É preciso perceber o que era a Madeira antes. É um bocado deprimente dizer isto, mas antigamente não havia grande agressividade, independentemente das simpatias partidárias, das pessoas que eram do regime e das que eram da oposição, como era o nosso caso. Havia um ambiente de convivência normal, as pessoas falavam umas com as outras e não havia a agressividade que passou a haver depois. Nessa altura, o poder central estava longe e queixávamo-nos da falta de autonomia. Agora, está condicionado por um poder que está cá dentro e que o condiciona mais directamente.
A Autonomia acabou? A Autonomia nunca foi. Foi um sonho. Eu era um feroz adepto da Autonomia porque sentia que havia uma grande frustração, porque para fazer qualquer coisa era preciso autorização de Lisboa. Depois, passou-se do 8 para o 88. Houve um descontrolo total. Houve uma espécie de ditadura, não no sentido efectivo do termo, mas de facto e uma grande condescendência do poder continental, pelo complexo de culpa que tinha em relação às 'ilhas adjacentes'.
Esse complexo ainda continua? Não, agora acho que já não é, porque chegou a um ponto em que rebentou. O caso da Madeira explodiu. O poder regional tornou-se de tal maneira inimputável que se deu esse descalabro financeiro, completamente sem sentido, como os famosos elefantes brancos que povoam a ilha, só para dar trabalho aos construtores civis que apoiam o regime local. Tudo isso faz com que a Madeira esteja prisioneira de uma situação que é muito pior do que a de Portugal em relação à 'troika'.
E vai piorar? Vamos ter 2013 com impostos como nunca se viu e penso que é inevitável que o reflexo disso chegue aqui, apesar de haver algumas fantasias aí de que a Madeira ainda vai beneficiar. Temos um programa que considero totalmente absurdo e que, mais dia menos dia, temos de concluir que austeridade sobre austeridade não resulta.
O poder central tem responsabilidade no que se passou na Madeira? O dr. Alberto João Jardim insultava todos os governantes do continente e eles ficavam assustados e davam-lhe o dinheiro para ele se calar. Foi assim que a Madeira foi sendo governada. Acho que as autoridades centrais têm muita responsabilidade. Acho incrível como é que certas questões, do ponto de vista constitucional, passaram. Há, de facto, um défice democrático, agressões à Constituição, há milhares de exemplos de promiscuidade pública... Tudo isso é assustador.
O que faltou à oposição regional, ao longo destes anos? O dr. Alberto João veio preencher o vazio do pós-25 de Abril, com o apoio da Igreja Católica, é preciso reconhecer. A esquerda que despontou mais cedo foi a UPM que depois foi absorvida pela UDP, assustou muito as pessoas, com um radicalismo que não correspondia à realidade sociológica da Madeira e foi alargando terreno para a implantação do jardinismo. Depois, o PS chega um bocado tarde e entraram naquele ritmo de que o partido não ganha as eleições, o líder vai embora. O PS é uma máquina de triturar líderes. O CDS é mais surpreendente. O José Manuel Rodrigues mostra alguma esperteza e por isso é que teve mais votos nas últimas eleições, mas não sei se chega.
Alguma coisa vai mudar? Eu acho que o jardinismo está em agonia, até diria que mete dó. Não tenho pena, porque estão a sofrer as consequências do que fizeram, mas o problema é quem também sofre essas consequências são as pessoas que vivem na Madeira e durante muito tempo se deixaram enganar.
Votaram enganados? Enganados ou deixaram-se enganar. Se Alberto João Jardim está onde está é porque o povo votou nele. Podemos dizer que votou por ignorância porque não houve transição democrática na Madeira. Passou-se do regime antigo, da Madeira Velha para a Madeira Nova, sem haver transição democrática. Antes, era o dr. Salazar e o dr. Caetano, à distância e depois o dr. Alberto João tomou o poder e ficou aqui 34 anos. Com isso, cria-se uma clientela que torna tudo mais complicado.
Agora, pela primeira vez, há quem assuma uma candidatura contra Jardim, Miguel Albuquerque. Sim, mas ele apresenta essa candidatura depois de perceber que já não pode ficar na Câmara. Eu gostava que se tivesse distanciado antes. Acho que para ser credível tinha de se ter demarcado muito antes.
Fonte: DN Madeira

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