segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Crónica de uma demissão anunciada


Pode ter graça ver Francisco Louçã, seguindo as pisadas de Cavaco, a recorrer ao Facebook para falar aos portugueses, no caso “aos activistas e ao povo do Bloco”, o que revela a incipiente organização interna de um “movimento” que é alimentado pela comunicação social.

Pode ter graça ver o “porta-voz” do Bloco de Esquerda a condicionar a sua “sucessão”, revelando que os métodos internos de trabalho do “politburo”, herdados das organizações que estão na sua génese, não foram abandonados — antes foram aprimorados.

Pode ter graça ver que a solução imposta, procurando conservar o frágil equilíbrio entre os órfãos de Enver Hodja, Trotsky e Brejnev (sem esquecer a quota dos “independentes” representada por Fernando Rosas), está já a ser contestada, pondo a nu a falta de democraticidade interna.

Pode ter graça ver que João Semedo não serviu para presidente do grupo parlamentar (candidatura chumbada em 2009), mas é útil nesta fase em que o “movimento” está pouco menos do que destroçado.

Estes e muitos outros aspectos podem ter graça, mas é chegada a altura de recordar que o BE (e o PCP) é responsável pela entrega do poder à direita, essa direita que lançou um fortíssimo ataque aos direitos do trabalho (com medidas que não constavam do memorando inicial assinado com a troika), que está a tomar decisões para a destruição do Estado social e que não descansa enquanto não rasgar a Constituição. 

As disputas pelo poder no seio do BE podem servir às mil maravilhas para nos entreter na silly season, mas não podem servir de cortina de fumo para ocultar o que esteve na origem da barafunda por que passa agora o “movimento”: a “coligação negativa” entre o BE (e o PCP) e a direita durante seis anos, que foi subindo de tom até à apresentação da moção de censura, e atingiu o seu ponto culminante com o chumbo do PEC 4 e a entrega do poder à direita. 

Foi, então, que muitos “activistas” do Bloco se insurgiram contra o tacticismo suicida do “politburo”. Louçã conseguiu evitar que fosse discutida a questão da liderança na “convenção”“mesa nacional” que se seguiu às últimas eleições legislativas — para ganhar tempo para preparar a “sucessão”. 

A saída de cena (?) de Louçã não deixa de ser o resultado — ainda que ao retardador — de um cartão vermelho mostrado pelos eleitores. Resta, agora, saber se o BE quer continuar a ser objectivamente uma arma de arremesso da direita contra o PS. Se a liderança do BE vai ser “a meias” (ou não) é pouco relevante (salvo quando houver debates, em que será preciso fazer um intervalo para entrar em campo a outra metade).

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