quarta-feira, 11 de julho de 2012

A consequência da recaída. Por Bernardino da Purificação


O dr. Ricardo Vieira é com certeza uma pessoa estimável. Tem um passado de afirmação de convicções. Construiu um percurso político fundado na afirmação de valores. E quando entendeu já ter dado o bastante ao peditório exigente da política regional, arrumou os papéis e foi tratar da vida. Nada a dizer. É refrescante saber que nem todos estão condenados à política como meio de subsistência.

Um certo dia, porém, o dr. Vieira teve uma recaída. Pensou provavelmente que o seu ofício de advogado era compatível com as exigências da política. E como todos os partidos, à excepção do PSD, têm problemas de recrutamento de quadros, acabou por ceder ao apelo do regresso. Resultado: a política regional recuperou o grato privilégio de voltar a contar com a valia do seu prestimoso contributo; e o dr. Vieira aproveitou para casar, da forma mais mitigada que julgou possível, a vida profissional que tem com a inclinação política que nunca deixou de ter. Nada a apontar. A não ser talvez, e hão-de perdoar-me o sentimentalismo da nota, a emoção que não calo diante do quadro de uma vocação recuperada.
Enquanto político, o dr. Ricardo Vieira é actualmente vereador na Câmara Municipal do Funchal. Participa nas reuniões do órgão executivo camarário. Tem, como toda a vereação, uma palavra a dizer sobre licenciamentos e demais expediente da vida da cidade. Dispõe, por isso mesmo, de informação privilegiada. E se é verdade que a maioria da Câmara passa bem sem a graça do seu voto, o facto é que ele anda por lá, ouve e faz-se ouvir, acede aos documentos, e tem portas abertas para tudo quanto seja corredor ou gabinete. Nada a objectar. Seria insuportável saber que um eleito se sentia inibido de exercer em liberdade o mandato outorgado pela democracia e pelos munícipes.

Para além de pessoa estimável e político recaído, o dr. Vieira é também advogado. Tem um nome dos mais sonantes da praça. É, ou foi, examinador de estagiários e escrutinador eleito da conduta ética dos colegas. É sócio de um escritório conhecido, ecléctico, e com ligações íntimas ao poder político regional. E, por consequência, defende clientes e representa interesses. Nada a opor. É da natureza das coisas que os advogados façam seus os interesses dos seus clientes.
Ou seja, desde que decompostas e individualmente consideradas, nenhuma das versões do dr. Vieira parece ser merecedora do mais pequeno reparo. Pelo menos, para quem se limite a ver a superfície da sua imagem pública. O político recaído merece consideração. O representante de interesses é credor de respeito. O único problema que por vezes se nota é a confusão que nasce da mancebia em que vivem o defensor esperado do interesse dos munícipes e o advogado que defende, e faz seus, interesses particulares.

Pensa o dr. Vieira que a nódoa se apaga se se abstiver de votar nos casos em que a lucrativa esquizofrenia das opções que toma o coloca nos dois lados do processo decisório. Engana-se, como é evidente. Ele foi eleito para tomar posição e não para se abster. E o facto de haver um laivo de decoro (ou será de hipocrisia?) a conduzi-lo à abstenção só serve para atestar a grosseira incompatibilidade em que reiterada e gritantemente incorre.
E o líder do PP não tem nada a dizer?

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