sexta-feira, 8 de junho de 2012

Por pôr em risco o pluralismo e a concorrência da imprensa regional. ERC obriga Jornal da Madeira a alterar estatuto editorial

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em reunião do conselho regulador realizada na quarta-feira, decidiu notificar a administração da Empresa do Jornal da Madeira, Lda, a proceder à alteração do estatuto editorial deste matutino controlado pelo Governo Regional da Madeira.

A ERC entende que existe uma “evidente desadequação do estatuto editorial do Jornal da Madeira a um órgão de comunicação social detido maioritariamente pelo Estado”, além da sua desconformidade com a Lei de Imprensa, no que respeita à “definição clara da orientação e objectivos daquele jornal, o que constitui contra-ordenação, punível com coima”.

Dando um prazo de 40 dias a partir da notificação da deliberação, para a gerência do JM remeter à ERC o novo estatuto editorial – elaborado pelo director do jornal e ratificado pela entidade proprietária, com parecer do conselho de redacção –, o conselho regulador adverte os administradores desta empresa que “serão pessoalmente responsáveis pelo cumprimento desta decisão, designadamente em termos de responsabilidade criminal por prática de crime de desobediência”.

Contactado pelo PUBLICO, o director do JM, Henrique Correia recusou comentar a deliberação da ERC, cuja aprovação foi confirmada por um membro do conselho regulador. Alegou que não tinha ainda sido notificado do verídico final ao processo no decurso do qual a administração do jornal e o Governo Regional foram ouvidos.
Sem consequências concretas

A nova deliberação foi tomada na sequência de uma nova queixa que a empresa Diário de Noticias da Madeira (EDN-M) entendeu apresentar contra a Região Autónoma da Madeira e a Empresa do Jornal da Madeira, em que argumenta que o instrumento de regulação escolhido pela ERC para afrontar os graves perigos identificados em anterior decisão, aprovada em Outubro de 2010, “não possui carácter vinculativo, nem visa provocar qualquer alteração na esfera jurídica das denunciadas” que não procederam à alteração do estatuto editorial.

“De nada serviu a correcta identificação dos perigos para o pluralismo e para a subsistência da EDN-M, considerando que nenhuma consequência concreta se extraiu dessa constatação”, frisa a segunda queixa da empresa proprietária do centenário matutino, de que é principal accionista o grupo Blandy. Lembra que “todas as práticas que foram observadas e condenadas na [anterior] deliberação persistem, nomeadamente: a distribuição gratuita de um jornal com o formato de jornal pago; a discriminação na atribuição de publicidade; a manutenção do estatuto editorial e a instrumentalização do Jornal da Madeira pelo Governo Regional; o financiamento discriminatório e ilimitado que permite viver à margem das regras normais do mercado e asfixiar qualquer concorrente”.

Separação Igreja/Estado

Na deliberação de 2010, a ERC instava a Região Autónoma, enquanto sócia maioritária da Empresa Jornal da Madeira, Lda, a reformular o respectivo estatuto editorial. Tal derivava do facto de o dito estatuto editorial caracterizar o Jornal da Madeira como “um diário de perspectiva cristã aberta a um são pluralismo ideológico, na fidelidade ao Evangelho”. Para o conselho regulador que rejeitou a argumentação da empresa – que em sua defesa invocou o passado histórico do jornal fundado pela diocese, que é ainda sócia minoritária, aquela situação “não se configura conforme, num jornal editado por uma empresa pública, ao princípio constitucional da separação entre as igrejas e o Estado”.

A Lei de Imprensa, lembra a ERC, estatui que o estatuto editorial de uma publicação periódica informativa deverá definir “claramente a sua orientação e os seus objectivos”, para além de incluir o compromisso de assegurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa-fé dos leitores. Devendo constituir ainda referência para os jornalistas que trabalham na publicação, nos termos do Estatuto do Jornalista que, em caso de alteração profunda na linha de orientação ou na natureza do órgão de comunicação social, permite ao jornalista requerer a cessação da relação de trabalho com justa causa.

A ERC reiterou o teor da deliberação de Outubro de 2010, quanto à “subsistência de um risco objectivo e grave para a preservação de um quadro pluralista no subsector da imprensa diária na Região Autónoma da Madeira, que justificará a adopção de medidas, da parte do Governo Regional, que suprimam os efeitos nefastos que a sua actuação tem provocado”. A nova decisão acrescenta que “o modelo e sustentabilidade da política de fixação de preço de capa e distribuição gratuita do Jornal da Madeira levantam várias interrogações e é susceptível de perturbar o funcionamento do mercado da imprensa escrita na Região Autónoma da Madeira, em termos da sua transparência e equidade”. Por este motivo decidiu remeter estes factos à Autoridade da Concorrência, para apreciação e possível actuação.

Fonte: Público

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