Soubemos pelo porta-voz da comissão política do
PSD-Madeira que os madeirenses poderão estar à beira da “revolta” e da
“autodeterminação”. Por breves segundos presumi que o vaticínio não
poderia estar mais acertado, atendendo à bordoada fiscal que nós,
madeirenses, estamos a levar só para permitir, a quem nos conduziu à
beira do abismo, tapar buracos financeiros abertos por um governo
viciado em mostrar obras de betão armado e a servir banquetes de
espetada e vinho seco, nas inaugurações e nos comícios, endividando a
alma do povo para somar vitórias em sucessivas reeleições. Mas eis que,
afinal, a propalada “revolta” tem como alvo, não propriamente quem
governa estes rochedos basálticos mas aquele que, em Lisboa, ocupa o
lugar do eterno inimigo externo da Madeira, o tal Governo da República,
que já foi centralista, colonialista e fascista, mas que agora é um
déspota porque não respeita o Estatuto político-Administrativo da
Madeira nem cumpre o programa de ajustamento económico e financeiro.
E vem então o senhor deputado, advogado e empresário, porta-voz da
tal comissão política, lacrimejar, quem nem um crocodilo, à frente das
câmaras de televisão. Logo ele, daquela única bancada parlamentar – que
recusou abdicar um cêntimo do jackpot de cerca de 5 milhões de euros
para financiar o seu partido; que foge da lei das incompatibilidades
como o diabo da cruz; que recusa cortar reformas vitalícias e acabar com
mordomias como a acumulações de empregos e de pensões, sem solução nem
dó para a escalada do desemprego, da depressão, do suicídio, mas que, em
contrapartida, não tem qualquer pejo em cortar a eito 15% da despesa na
saúde, na educação, no socorro, na economia, nas prestações sociais, na
cultura, no desporto.
Fingir-se parte da consternação dos madeirenses que sofrem na pele o
arrepio da factura do programa de ajustamento económico e financeiro que
Alberto João Jardim assinou é, mais do que hipocrisia, uma provocação,
não tivesse decidido o governo regional lançar uma ofensiva de
austeridade sobre as famílias em troca de um plano de salvação
financeira para obter liquidez imediata. Dinheirinho fresco, venha ele
de onde vier, para começar a por as contas públicas em ordem, para
corrigir os excessos e os devaneios alucinantes das decisões
governativas, sem critério nem moderação, para liquidar dívidas antigas,
assumidas e não pagas, com mais anos do que os dedos de uma mão, entre
outros compromissos que foram, de forma negligente e incompetente,
enterrados por uma gestão do erário danosa.
Como afirmou Jardim, ontem mesmo, no final de um passeio de lancha,
“um Governo que se preza não deixa as coisas chegar a este ponto” e
“exerce a autoridade”. Obviamente que disse-o no contexto habitual, com
baterias apontadas ao Governo da República e à ‘troika’, esses
impositores da “assistência financeira estrangeira” que são,
respectivamente o interlocutor da Madeira e o credor que propuseram
resgatar o executivo de Jardim que, por sua vez, aceitou agarrar-se a
esta bóia banhada a ouro e paga por todos nós, para evitar o naufrágio
das finanças públicas. Foi incompetente na forma como administrou a
Região e teve de ceder esse poder a Lisboa e a Bruxelas, para não
continuar a gastar mais do que não tem e ainda nem caído um cêntimo do
empréstimo na sua mão estendida e já rosna com a "autodeterminação". A
independência, tal como a Autonomia que o governo regional entregou de
mão beijada, são aspirações legitimadas pela voz do povo, não são
brinquinhos para andar em mãos caprichosas a servir de instrumento
político. É como a "revolução": pode partir o poder, mas não parte dele
certamente.
Mas o partido que sustenta o poder continua a achar que é uma boa
estratégia ensaboar a inteligência dos madeirenses com argumentos
falaciosos para branquear a realidade enquanto a lancha governativa mete
água. Que com os atestados de menoridade ao povo em pleno adro das
igrejas consegue fazer embarcar a culpa e pô-la a milhas daqui para
fora, aportando-a de preferência em Lisboa ou em Hamburgo. Vivemos uma
democracia com mais de 30 anos mas há ainda uma máquina que se julga
capaz de eliminar as nódoas da governação com lavagens cerebrais. Tal
como em tempos de má memória…
Fonte: DN Madeira
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