quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Só para quem sabe ler: Uma ideia de PORTUGAL


I

RADICALMENTE POSITIVOS

Todos os que anunciaram a morte de Portugal, enganaram-se. Muitos foram os que fraquejaram nesse erro ao longo de tantos séculos.

Quase sempre os factos pareciam dar razão aos mais pessimistas – o território parecia pequeno e desprovido de fronteiras naturais; o solo pouco generoso; a gente era diminuta; os adversários poderosos; as dificuldades assumiam-se intransponíveis.

Mas soubemos ser e permanecer portugueses. A existência de Portugal é o melhor testemunho da força de uma vontade colectiva, da secular vontade de sermos independentes, como proclamava Alexandre Herculano. Não sobrevivemos por acaso, por consentimento alheio ou pela inércia. Continuamos a ser Portugal porque já éramos Pátria antes de sermos Nação ou Estado.

Portugal, mesmo nos seus momentos mais tristes, soube perpetuar-se naquilo que sempre foi: o português que partiu e se reinventou em todos os lugares por onde esteve. Que deixou marca, que fez a diferença.

Portugal é o seu povo, a sua língua, a sua tradição, a sua cultura, a sua história. A universalidade de cada português construiu a nossa identidade. É aí, de volta às nossas raízes, que se percebe o caminho do futuro.

Nunca fomos um lugar fechado, demarcado sobre si mesmo. Por isso não queremos uma Europa enclausurada nos seus próprios temores, cercada na ilusão da sua prosperidade. Portugal tem uma lógica intensamente distinta deste projecto de Europa convencionalista que nos querem impor, que se julga abrigada por detrás das muralhas burocráticas do seu super-Estado em construção.

Nunca fomos grandes graças aos outros. Tudo o que conseguimos derivou do nosso projecto autónomo, da nossa capacidade de prosseguir e sermos capazes. As nossas crises resultam sempre da perda do sentido de quem somos e do que devemos fazer. Do mesmo modo que o nosso sucesso não advém de um eventual momento económico mais feliz. Hoje mesmo, nesta hora tão apagada, o desalento de Portugal não decorre das preocupações do défice, nem dos critérios de convergência, embora estes possam constituir o único desígnio de quem nos governa.

O que deixa os portugueses na penumbra é saber que aqueles que os governaram nas últimas décadas perderam a razão de ser do país, pois já não sabem, nem querem saber, se Portugal vale a pena. Portugal descrê de si, porque os seus governantes já não acreditam em nada. Sobretudo descrêem das pessoas. Os portugueses são tradicionalmente menosprezados pela sua camada dirigente.

Ninguém pode ser diminuído se não o consentir. A Nova Democracia quer pôr um fim a esta depreciação interna do nosso país. O primeiro gesto que devemos ter na política é não aceitar que Portugal e os portugueses sejam desconsiderados, ofendidos e desdenhados, por aqueles que dirigem os seus destinos. Devemos exigir que se respeite a nossa cultura, a nossa forma de estar e de ser Portugal. Como podem os nossos governantes pretender defender os interesses do país na Europa e no mundo se não o compreendem, nem o aceitam como ele é?

A nossa força tem de ser encontrada em cada um de nós. Nas raízes que vêm da terra que olha para o mar e que nele encontrou o resto do mundo. Nas pessoas que quiseram sempre ser portuguesas quando tudo lhes pedia para deixarem de o ser. Não é preciso inventar Portugal porque este existe naqueles que nunca sonharam em ser outra coisa. Esse é o nosso grande recurso.

Portugal é autonomia no universalismo, auto-subsistência na articulação de um mundo global, uso inteligente daquilo que temos. Sobretudo, temos Homens e temos Mar. Se houver vontade, razão e sentido, poderemos outra vez conquistar a distância.

A globalização começou connosco. Foi devido ao nosso esforço que se viu “a Terra inteira, de repente, surgir, redonda, do azul profundo”. A nossa vocação é a centralidade do mundo, é a descoberta e a distância. Pertencemos aos espaços abertos, adaptamo-nos a um mundo sem barreiras porque ele também é o nosso, aquele que ajudamos a fazer.

É desta centralidade que aqui testemunhamos, que aqui evocamos, que resulta uma nova estratégia, um novo desafio colectivo, para o qual convidamos os portugueses. Assumir esta centralidade é recusar o isolamento continental, é apostar nas auto – estradas marítimas, dinamizando e modernizando os portos, crescendo e fazendo crescer a indústria naval, recriando a marinha mercante, tornando possível, que continuemos a ser mundo sem deixarmos de ser Nós!

Nunca seremos periféricos. Somos um povo do mundo inteiro e nesse mundo global não há margens, nem subúrbios. Portugal é uma Nação aberta que estende os braços para o Mar. E todo o mundo passa por aqui.


II

UM NOVO CONTRATO SOCIAL


1 – UM CONTRATO QUE NUNCA FUNCIONOU

Porque é que os portugueses parecem reencontrar as energias esquecidas e conseguem vingar quando apostam em sair do seu país, enquanto que, tantas vezes, aparentam estar adormecidos, abúlicos, quando ficam por cá?

A resposta radica nos desequilíbrios endémicos nas relações entre o Estado, a Sociedade e os Cidadãos. Em Portugal, a lógica do chamado “contrato social” raras vezes funcionou eficazmente. Uma das lacunas do nosso exercício de cidadania deriva da falta de vontade das pessoas em exigirem ao Estado o cumprimento dos deveres que lhe estão cometidos. Os portugueses nunca conseguiram ultrapassar uma certa impotência em requererem dos poderes públicos a execução da sua parte do contrato. Atitude que é cumulada com uma tradicional sobranceria do Estado português, manifestada na resistência obstinada em prestar contas da sua actuação e na falta de explicações para nunca ter conseguido organizar-se numa estrutura eficiente que preencha os seus fins e satisfaça os interesses das pessoas.

Os portugueses nunca assumiram uma mentalidade contratualista, sempre estranharam a ideia da contraprestação que o Estado lhes devia pelo facto de existir, por ser sustentado pela Sociedade e de ser titular de privilégios de força pública. Consequentemente, como acontece em todos os contratos em que uma das partes não exige da outra o cumprimento do acordado, o Estado português, ao longo de décadas negligenciou grosseiramente a observância das suas obrigações.

Um outro factor negativo da nossa cidadania está no papel das corporações privadas. Estas, em vez de se autonomizarem do poder estatal, parecem querer-se aninhar, cada vez mais, no seu regaço, já que são as primeiras a buscar o seu apoio e em imitarem os seus piores defeitos.

Em Portugal, muitas instituições privadas prescindiram da sua função cívica e de dignificação social. Na defesa teimosa e indiferente dos seus benefícios específicos, em que cada um puxa para o lado que mais lhe convém, transformaram-se em corporações de interesses parcelares que obstruem qualquer esforço de mudança. O país tornou-se refém dessas corporações, com acentuado peso eleitoral quer directo, pelo número de votos que representam, quer indirecto, pela influência tida como fazedores de opinião.

O Cidadão sente-se só e perdido entre um Estado que não consegue cumprir os seus fins sociais e as corporações que apenas visam a captação das benesses públicas em prol da sua própria manutenção.

Neste panorama desequilibrado, o Estado vai-se sucessivamente apropriando de mais funções, até ao momento em que já pouca autonomia de decisão resta ao cidadão. O contrato social transforma-se em “pacto leonino”, deixando o indivíduo sem defesa face aos poderes públicos

Um Estado omnipresente, no plano formal, deixa os seus cidadãos no aconchego da expectativa da actuação alheia para a satisfação das suas próprias necessidades.

Anestesiados pela falsa sensação do proteccionismo estatal, as pessoas perdem o rasgo, esquecem-se do poder da sua inteligência, prescindem da utilização das suas energias para resolver os seus problemas. Por tudo e por nada apelam ao Estado que lhes acuda, que lhes valha nas horas boas e nas horas más, que faça, que diga, que ordene, que pense, que tome todas as decisões em vez deles.

Aos poucos, os portugueses foram sendo formatados para não agirem por si e tudo esperarem da providência estatal. Para não acreditarem em si mesmos e tudo confiarem no espírito de esmola das ajudas públicas e nos auxílios dos fundos comunitários. O que não acontece quando tentam a sua sorte lá por fora. Aí, longe do intervencionismo do Estado que se arroga Gestor, Planeador ou Confiscador, só se têm a si próprios para se valerem. Só se podem socorrer do seu engenho e das suas qualidades. Por isso triunfam.

Um Novo Contrato Social pressupõe que a política deve ser centrada no Cidadão e não no Estado. O Estado foi feito para servir as pessoas e não o contrário e, numa democracia de cidadãos, o Estado não são eles, os que nos querem tornar súbditos, o Estados somos nós todos. O Cidadão não pode ser uma entidade passiva e domesticada, mero pagador ou contribuinte, simples destinatário do Poder.

Pelo contrário, o Cidadão é obreiro e participante activo nas decisões que lhe disserem respeito. As pessoas têm de se assumir como protagonistas da governação, capazes de tomar nas suas mãos os seus destinos.

O Novo Contrato Social implica, também, um reequilíbrio de poderes. No turbilhão da mudança, a protecção da pessoa e das instituições em que esta aplica a sua inteligência – família, empresa e organizações sociais – traduz-se no amparo imprescindível para trazer o sossego necessário nesta hora de transição particularmente angustiante.

Por sua vez, a Sociedade existe porque existem pessoas. É a partir delas e por causa delas que todas as estratégias e todas as políticas deverão ser delineadas. Quando pertencentes à mesma Nação, as pessoas têm raízes culturais, uma tradição que as identifica, práticas e lógicas comuns que criaram vínculos ao longo das história e, sobretudo, um sonho de futuro. Nesse sentido, a identificação da Sociedade decorre daquilo que as pessoas são. A evolução social, por mais célere que se revele, parte das alterações nos comportamentos das pessoas. Assim, os interesses da Sociedade e dos indivíduos que a integram são sempre convergentes porque emanam de um fundo comum.

O Estado é um aparelho de poder que, apesar de possuir fins próprios e poderes específicos para os cumprir, tem que emanar da comunidade. O Estado é, como dizia Fernando Pessoa, um simples modo da Nação se administrar. Mas o Estado contemporâneo não pode substituir-se às pessoas nem arrogar-se um papel dirigente exterior à Sociedade. Do mesmo modo, o Estado, por força das novas circunstâncias, viu caducar a sua função hierarquicamente executiva, enquanto se acentua o seu papel fiscalizador daquilo que as pessoas e as demais organizações fazem.

O Estado, que na peça social cumulava as funções de dramaturgo, encenador, actor principal, ponto, patrocinador, audiência, construtor dos cenários e vendedor de bilhetes, terminou, é uma lógica que pertence ao passado.

O Estado contemporâneo deverá passar a ser o aferidor do cumprimento dos princípios socialmente relevantes e o garante dos equilíbrios do colectivo. A sua actuação não pode ser feita em função de si mesmo, mas mediante a participação próxima e permanente das pessoas.

2 – DILUIÇÃO DO ESTADO NO EURO-ESTADO

Poder-se-ia afirmar que bastava uma correcção das disfunções do Estado português, uma mera redução na sua adiposidade, através de uma reforma racional da Administração Pública acompanhada de uma evolução de mentalidades, para ultrapassar a presente situação de “Estado de mal-estar”.

Mas, hoje, isso já não é suficiente. Está em curso um processo acelerado de substituição do Estado pelo Euro-Estado. A maioria dos factores de poder jurídico já não se encontra na disponibilidade dos portugueses. Neste momento, mesmo sem o projecto giscardiano de “constituição” europeia estar aprovado, a reforma do Estado português já não seria suficiente para resolver o problema.

Este Euro-Estado em formação consegue abarcar muitos dos piores defeitos que os “Terreiros do Paço” nacionais já revelaram. O modelo que os eurocratas querem consagrar viverá de uma máquina administrativa pesada e centralizadora, um super-Estado planificador em que a voz do indivíduo se perderia na imensidão labiríntica dos corredores da burocracia de Bruxelas. Esta falsa Europa com que nos tentam seduzir potencia um funcionalismo intervencionista que já está a ser ultrapassado em todo o lado.

A “constituição” que os convencionalistas engendraram, se for aplicada, acentuará o modelo já existente de uma Europa-Providência, um anacronismo desajustado ao tempo presente com um evidente cariz de socialismo intervencionista. Trata-se de um esforço desesperado de trazer de novo as soluções estatizantes, que o século XX acabou por superar, para a ordem política do novo século esquecendo as importantes lições do passado recente.

A Nova Democracia entende que o Cidadão não se pode submeter ao jugo do Estado acarretando com as perversidades do seu mau funcionamento. Mas, por maioria de razão, também não aceita o transporte de poderes de sujeição pública para as instâncias europeias. Não faz qualquer sentido que este modelo de pseudo-europeísmo tente ressuscitar soluções sociais mortas ou moribundas, subjugando ainda mais o Cidadão e a Sociedade e não sendo fiel ao sonho do pluralismo fundacional do projecto europeu, que sempre assumiu a Europa como uma democracia de muitas democracias, como unidade na diversidade e não como uma hierarquia de potências ou uma oligarquia de impérios frustrados.

A Nova Democracia, ao pugnar por um Novo Contrato Social, quer uma descentralização social, uma partilha de poder mediante a criação de laços horizontais entre as pessoas que possibilitem a sua vinculação ética e faça brotar a ordenação social de um equilíbrio gerado no seu interior. É preciso renovar a Sociedade através de um Pacto de Associação dos seus membros que impeça a realização dos ditames oriundos deste euro-centralismo vertical que tenta impor as suas determinações de fora para dentro.

A Nova Democracia sabe que a política é prática e que o deverá ser ainda mais para poder responder aos problemas reais das pessoas. Mas também não esquece que a acção política não se justifica a si própria, antes se baseia em ideias, em ideais, em valores.

A Nova Democracia considera que uma das principais lacunas da política portuguesa é a falta de elaboração de uma análise séria acerca dos problemas que afligem as pessoas. A actuação dos poderes públicos, internos e comunitários, revela um desfasamento perigoso em relação às necessidades da Sociedade, mormente confundindo o acessório com aquilo que é verdadeiramente importante. Sabemos que existem problemas de curto prazo, circunstanciais, e alguns artificialmente empolados para nos afastarem do que é relevante. Outros são mais antigos, alguns mesmo muito antigos. Uns são curáveis com terapias simples, outros com métodos mais dolorosos. E há também situações em que se terá de optar pelo mal menor, porque talvez não tenham cura mas apenas tratamento.

É preciso falar verdade aos portugueses. Não queremos propor o impossível, mas diagnosticar os males e indicar as terapias com a verdade. Nesta caminhada propomos aos portugueses dizer as coisas com clareza. Não queremos apresentar um programa de acção fechado e acabado, mas uma ideia de Portugal, aberta, que iremos aperfeiçoando com o tempo e a experiência.

3 – REGRESSAR AOS PRINCÍPIOS E RESTITUIR A LIBERDADE AOS CIDADÃOS

A necessidade de transparência administrativa, vista como a percepção do modo, da forma e da fundamentação das decisões do Estado sobre as pessoas, bem como a racionalização e desburocratização da máquina administrativa que permita o conhecimento do custo real dos serviços públicos, quer à comunidade, quer a cada utente, é essencial para que o Cidadão possa interpretar devidamente a ideia de contraprestação do Estado face aos impostos que lhe são cobrados e aos demais direitos de supremacia pública que lhe são impostos.

O Estado deverá pautar-se pela lisura de processos na sua actuação, pelo respeito intrínseco pelos direitos do Cidadão e pela integridade ética dos fins que visa prosseguir.

As áreas em que o Estado dispõe a sua acção deverão ser exemplares na dignidade das condições que oferecem aos seus destinatários, em vez de nos embaraçarem com a lógica terceiro-mundista que costumam apresentar. Por exemplo, não faz sentido, no Portugal que queremos, observar a falta de requisitos mínimos que ainda existem em alguns hospitais. Não se admite a carência de condições com que as mulheres são ofendidas quando têm a sublime oportunidade de serem mães. Não se compreende a penúria de incentivos fiscais e outros que comprometem a família, como instituição, em Portugal. Não podemos aceitar a lógica massificada e irracional como a educação, nos seus vários níveis, é maltratada em Portugal. Não se percebe a escassez de preocupações substanciais em relação à preservação do ambiente e dos recursos naturais, convertidos numa mera bandeira para fogachos publicitários. Recusamos veementemente a “guerra de coutadas” em que as várias corporações transformaram a Justiça portuguesa, cada vez mais lenta, mais cara, mais desacreditada e mais injusta. Envergonhamo-nos com a indignidade do estado actual das nossas prisões, transformadas em armazéns de pessoas, decadentes antros de droga, de doença e de morte.

A proximidade que desejamos entre o Estado e o Cidadão não se compadece com este tipo de situações. Cada pessoa deve ter uma palavra a dizer quanto aos factos que lhe provocam maior comoção e deve poder reagir, actuando sobre os casos que mais afectam a sua consciência cívica.

A Nova Democracia propõe que cada cidadão tenha a possibilidade de outorgar uma percentagem do montante que lhe vier a ser liquidado como imposto a instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos. Na própria declaração de imposto, o contribuinte indicará as entidades que voluntariamente entendeu favorecer, competindo ao Estado encaminhar para estas a percentagem legalmente definida. Trata-se de uma Mecenato Individual colocado ao alcance todos os Cidadãos, incentivando a sua participação no apoio às actividades de carácter social e cultural.

Em obediência ao corolário da transparência dos comportamentos do Estado, a administração fiscal indicará com precisão ao contribuinte os termos em que o procedimento de atribuição da verba se processou, incluindo a data em que esta foi recebida pelo seu destinatário.

Sabemos que esta proposta encerra uma alteração substancial à lógica presente nos princípios fiscais em vigor; mas acreditamos que as múltiplas vantagens sociais na disponibilidade do imposto excedem bastante a manutenção de quaisquer dogmas fiscais. Também aí é preciso evoluir.

Esta medida, para além das vantagens financeiras directas para as entidades contempladas, favorecerá como nenhuma outra a proximidade das pessoas com as instituições que desenvolvem tarefas de interesse da comunidade. Cada pessoa sentirá que faz parte de uma dada entidade, que a acção que esta exerce na Sociedade tem um pouco de si. Consequentemente, o interesse de todos por estas instituições sociais será incrementado. Criar-se-ão vínculos sociais fortes, unindo as pessoas ao que a Sociedade tem de melhor.


III

UM DESÍGNIO PARA PORTUGAL

1 – UMA IDEIA ESTRATÉGICA DE PORTUGAL

A integração em grandes espaços é inevitável. Apesar do Estado a que chegámos parecer grande demais na sua centralização e na sua ineficácia, não restam dúvidas quanto à sua pequenez se visto isoladamente - porque a independência nacional, hoje, não pode ser mera gestão das dependências e das interdependências. Daí integrar o conceito actual de soberania externa a necessidade de eliminação de certos resquícios do soberanismo interno, devolvendo poderes à Sociedade e, sobretudo, às pessoas livres.

Neste sentido, impõe-se o estabelecimento de um novo conceito estratégico de Portugal, adaptado às circunstâncias presentes, porque a ideia de Portugal, para permanecer, tem de possuir um conteúdo variável.

A Nova Democracia assumindo este princípio basilar de um Portugal político, pretende lançar as bases da discussão da ideia estratégica de Portugal, visando transformar as nossas vulnerabilidades em potencialidades.

É sobretudo no palco da política internacional que se jogará a viabilidade portuguesa. Do Estado, da Sociedade e dos portugueses. Apenas uma articulação equilibrada entre estes elementos possibilitará o sucesso do desafio da Europa e da globalização. Ou seja, só pilotando o futuro do todo nacional e assumindo o patriotismo, em querermos continuar independentes tornaremos válidos os vínculos libertadores para cumprir Portugal.

2 – DAR RAÍZES DE FUTURO À IDEIA DE PORTUGAL

O mundo está mais pequeno e o processamento dos fenómenos dá-se à escala planetária. A globalização não é uma uniformização de culturas, nem constitui um cerceamento das energias dos povos. Pelo contrário. A mundialização das relações atenuou divergências, fomentou equilíbrios, gerou riqueza, impulsionou a ciência e o conhecimento, trouxe progresso a áreas que nunca o tinham conhecido.

Apesar disso, aparentemente, o mundo está mais desigual. Há muitas zonas do globo cada vez mais ricas, enquanto outras mergulham em crises terríveis para todos, já que tudo agora está mais perto.

Durante algum tempo houve quem pensasse que era possível facultar a abertura de relações económicas, realizar a liberdade do mercado, independentemente da correspondente abertura política, ou seja a prática efectiva da democracia e o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas.

Hoje sabemos que isso é um erro sinistro. A liberdade é um todo. Decorre da possibilidade de alguém poder determinar, por si, as opções que influem a sua existência. Ser livre é poder constituir família. Ser livre é possuir liberdade contratual. Ser livre é poder escolher aqueles que nos governam. Ser livre é a possibilidade de exercer uma actividade económica. Ser livre é poder participar nas decisões públicas em que se é interessado. Ser livre é poder praticar a religião que se quer ou não praticar nenhuma. Ser livre é poder optar pela profissão que se prefere. Ser livre é poder exteriorizar o que se pensa. Ser livre é ter a possibilidade de instrução e de melhorar os horizontes culturais. Ser livre é poder aceder a cuidados de saúde eficazes. Ser livre é poder usufruir de tranquilidade pública. Ser livre é ter igualdade de oportunidades e não ser preterido por razão de sexo, raça, fortuna, ou qualquer outra que não derive do mérito de cada um. Ser livre é ter acesso aos Tribunais para garantia dos direitos e interesses, esperando uma decisão justa. Ser livre é possuir um acervo de direitos fundamentais que ninguém, nem mesmo os poderes públicos, poderão afectar ou limitar injustificadamente.

Do ponto de vista colectivo, a liberdade refere-se às regras que conformam os poderes públicos e a sua relação com os Cidadãos. A liberdade dos povos decorre da limitação da acção do Estado pela Lei e pelo Direito, pela Ética e pela Justiça. A liberdade dos povos prende-se com a noção de que cada função, ou poder, do Estado está entregue a órgãos distintos, sendo que nenhum poderá interferir nos domínios da competência de outro. A liberdade dos povos percebe-se no respeito pela vontade da maioria, bem como na manutenção dos direitos e garantias da minoria. A liberdade dos povos identifica-se pela capacidade do Estado em fazer cumprir as determinações justas dos seus órgãos legítimos. A liberdade dos povos está presente na viabilidade do funcionamento das suas instituições de soberania. A liberdade dos povos faz-se notar na possibilidade de circulação das suas classes dirigentes e de precariedade do exercício de cargos públicos. A liberdade dos povos relaciona-se com a noção tradicional de Estado de Direito ou de “rule of law”, onde o Poder tem o seu fundamento e a sua limitação no Direito, onde os cidadãos podem estar dependentes do Estado, mas onde o Homem está sempre acima do Estado.

Não se pode fazer uma divisão entre a liberdade económica e a liberdade política. Quem não tem uma delas não possui nenhuma. Um povo que não pode ter eleições livres, plurais e justas, em que as pessoas não podem praticar o culto que é o seu, em que as mulheres e as crianças não têm direitos ou em que vigora um poder absoluto e inoponível, não tem qualquer liberdade. Ainda que subsista uma aparência de livre comércio, isso não passa de vã liberdade.

Este é um aspecto que terá de ser corrigido no actual panorama do livre comércio mundial e do livre estabelecimento industrial global. A deslocalização de empresas só é admissível e legítima se essa opção assentar em razões económicas admissíveis e legítimas. Não se pode aceitar que a fundamentação para uma escolha económica desse cariz seja a utilização de mão-de-obra quase-escrava em países onde as pessoas não têm direitos e o Estado não conhece limites à sua acção.

O comércio livre é para países livres. Não o reconhecer é subverter a ideia de liberdade naquilo que ela comporta de avanço civilizacional. O aproveitamento usurário de algumas empresas das condições sub-humanas que lhes são oferecidas em certas zonas do globo terá de ser condenado pela opinião pública visando a compreensão do erro pelos que o praticaram.

A democracia liberal e a liberdade que esta promove têm por base o respeito pela dignidade da pessoa. O liberalismo político não se reduz ao economicismo, exige regras que garantam a lealdade da livre concorrência, a justiça e a igualdade de oportunidades, para que se possa tratar desigualmente o desigual, tanto pela justiça distributiva como pela meritocracia democrática

3 – CONTINUAR PORTUGAL PELA LÍNGUA E PELA CULTURA

Portugal nasceu na terra mas fez-se no Mar. A Nação cresceu para fora de si e subsistiu porque se espalhou. Outras nações europeias eram mais ricas, foram mais poderosas, mas não tinham o Mar e a terra distante e perderam a vontade de continuar. Algumas desapareceram. Extraordinariamente, a nossa língua é a terceira língua da União Europeia mais falada no mundo. Não podemos desaparecer porque a nossa vontade advém da força universal da nossa cultura, aquilo que nos dá a identidade.

E porque ainda há Mar. Os povos que falam português estão livremente ligados entre si através de uma comunidade de afectos, que é independente da vontade daqueles que, circunstancialmente, os governem. Mais do que os Governos, os povos conhecem-se, compreendem-se através de uma cultura que, tendo passado e presente, continua a ter “saudades de futuro”.

Mas isso pode não bastar. É necessário solidificar essa base cultural em direitos. Não apenas direitos esparsos, avulsos, decorrentes de Tratados ocasionais, mas tornar essa expressão numa comunhão jurídica sedimentada, coerente e de futuro.

A C.P.L.P. não tem funcionado convenientemente. Não tem estratégia, nem dimensão. Vive de arremedos, de solavancos e quase não aproveita a ninguém. É preciso ousar ir mais longe neste desígnio comum de encontrar no Mar o nosso futuro.

A Nova Democracia propõe a criação de uma Comunidade Económica de Países de Língua Oficial Portuguesa. A intenção imediata é conferir às pessoas e às empresas de todos esses países um conjunto de direitos, privilégios, liberdades, garantias e isenções, de natureza económica, visando o fortalecimento intenso dos laços que nos unem e que começam e acabam na língua e na cultura comuns.

Este projecto será alvo de um estudo amplo e sério no sentido de compatibilizar esta intenção com os compromissos pré-existentes e com os interesses de todos os futuros intervenientes. Mas a ideia existe, assim como a nossa vontade determinada em a levar a cabo. Julgamos estarem presentes as condições essenciais para o seu êxito.

Ser Portugal não é apenas conservar Portugal. Não é somente cultivarmos os nossos jardins à beira mar plantados com as sementes e as ferramentas que os outros nos emprestarem. Isso é apenas aposentar Portugal.

Continuar Portugal terá de ser, forçosamente, imaginar Portugal. Longe das euforias adolescentes do tudo e dos pessimismos tardios do nada. Mas esse esforço é, também, o de salvar Portugal.

Recordando Almada Negreiros, diremos que apesar de já estarem escritas todas as frases que hão-de salvar Portugal, continua a faltar uma coisa: salvar mesmo Portugal!

Feliz ou infelizmente, sempre tivemos de viajar dentro de nós, prescindindo de grandes teorizações, e experimentando o nosso modo de estar no mundo antes de o julgarmos e reconstruindo uma nova comunidade nacional sem obediência a prévios programas vanguardistas.

Os portugueses de hoje, se o quiserem continuar a ser, têm de ter a coragem e a audácia de saber continuar Portugal. Têm de reorganizar a nova comunidade de significações partilhadas que, conservando o essencial da tradição
universalista dos nossos oito séculos e meio de história, seja capaz de a enriquecer e de a alargar em novos círculos concêntricos de uma mais complexa identidade.

Por isso, devemos rejeitar a ilusão dos que querem conservar o que já não há, tal como resistirmos ao paternalismo dos pretensos reconstrutores esquecidos das nossas raízes e que não conseguem compreender a base do nosso universalismo.

De um modo assumidamente liberal, importa salientar que não é a história que faz o Homem, mas sim o Homem que faz a história, embora sem saber que efectiva história vai fazendo.

Tal como o Homem não é só inteligência e vontade, mas também fantasia e emoção, do mesmo modo as comunidades políticas precisam de conjugar a ética da responsabilidade com a ética da convicção, a frieza da razão do Estado com a emoção da Nação, a consciência com a memória e a autonomia com a identidade.

Para que Portugal continue a querer viver como pensa e é, para que os portugueses continuem a querer ser independentes, importa que no, espaço da memória, essa inteligência que visa a autonomia possa ser compensada por uma reinvenção de identidade que, longe de se ficar pelo que está ou pelo que já não há, consiga assumir a criatividade das saudades do futuro através de uma identidade nacional aberta à mudança e às novas circunstâncias.

Fonte: Pagina oficial do PARTIDO NOVA DEMOCRACIA

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