quinta-feira, 8 de abril de 2010

Acreditar no futuro!? Por Hélder Spínola










O cientista britânico James Lovelock, o pai da teoria baptizada com o nome da deusa grega da Terra, Gaia, entrevistado recentemente pelo jornal Guardian, afirmou que os humanos são estúpidos demais para prevenirem as alterações climáticas. Este homem de 90 anos, que há 40 criou a Teoria de Gaia, na qual defende que a Terra age no seu conjunto como se de um organismo vivo e auto-regulado se tratasse, diz que não acredita na capacidade da humanidade mudar de rumo a tempo de evitar a catástrofe. É assustador pensar como James Lovelock, pelo menos para quem a idade ainda exige ter esperança no futuro mas, infelizmente, as evidências tendem a dar-lhe razão.

As alterações climáticas resultam do aumento do efeito de estufa, o qual por sua vez é consequência do excesso de gases emitidos pelas actividades humanas, principalmente na queima de combustíveis fósseis. Estes gases com efeito de estufa estão a aprisionar cada vez mais calor na atmosfera, levando a que o nosso clima seja cada vez mais extremo, com cheias mais violentas e secas mais intensas e prolongadas. Apesar das consequências de nada fazer, a maior parte da humanidade continua apática e não age na prevenção às alterações climáticas. Vejam-se os resultados quase nulos do protocolo de Quioto, com os Estados Unidos a não o ratificarem, e o recente desaire da cimeira de Copenhaga, na Dinamarca.

James Lovelock, do alto da experiência e do cansaço dos seus 90 anos, atira-nos com a crença de que só com um evento catastrófico, como o colapso de um glaciar gigante na Antártida que faça elevar rapidamente o nível do mar, será possível persuadir a humanidade a assumir a ameaça das alterações climáticas de forma suficientemente séria. O que James Lovelock nos pretende dizer com a sua incredulidade em relação à capacidade humana para prevenir as alterações climáticas é que tendemos a agir apenas quando tudo nos cai em cima e não estamos feitos para planear as nossas consequências a médio e longo prazo. Tudo se faz apenas a pensar no imediato.

Não comungo totalmente da visão de James Lovelock pois sou apologista de que a esperança deve ser sempre a última a morrer mas não posso deixar de lhe dar razão em relação à profunda inércia da acção humana no que diz respeito a alcançar mudanças, mesmo que dessas mudanças, a longo prazo, dependa a sua própria sobrevivência.

A ribeira de São Roque, acima do mercado da Penteada, está a ser estrangulada.

A última enxurrada que se abateu sobre a Madeira, a 20 de Fevereiro deste ano, e a subsequente reacção da sociedade, é um exemplo muito concreto do que nos diz James Lovelock. Apesar do longo histórico de aluviões fizemos vista grossa ao desordenamento do território e ao estrangulamento e ocupação dos leitos das ribeiras. Quando a desgraça nos caiu em cima a 20 de Fevereiro fomos capazes de, rapidamente, limpar os estragos para tentar voltar ao normal, pelo menos nas zonas mais à vista. Agora que nos dedicamos à reconstrução, apesar dos discursos que admitem correcções, persiste a dúvida se na prática isso irá mesmo acontecer. Os arranjos que estão a ser executados nas linhas de água junto às oficinas da PSP, acima do mercado da Penteada, no Funchal, são um exemplo do sentido que faz esta dúvida. Embora a sua foz esteja, felizmente, a ser alargada, a ribeira de São Roque, acima do mercado da Penteada, está a ser estrangulada em alguns metros com a construção de novas muralhas. Os ribeiros do Galeão e de Santana, seus afluentes, estão a ser desviados numa curva de 90 graus e é muito provável que continuem entubados como ainda estão. Será que pudemos acreditar no futuro?


Fonte: DN- Madeira

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