Entrevista a Violante Saramago, bióloga, filha do Nobel da Literatura e ex-deputada da Assembleia Regional da Madeira.
O que é que lhe passou pela cabeça quando se apercebeu da catástrofe que assolou a Madeira?
Curiosamente, vim para Lisboa quinta-feira e só regresso terça. Mas há três palavras. Dor, causa muita dor; não é aceitável que já tenham morrido 40 e tal pessoas - e ninguém sabe quando este número pára. Dor pelos olhares e expressões nas caras das pessoas. Tudo isto me provoca alguma angústia. Depois, a frustração, por não se saber quando a natureza desaba aonde vai parar. E raiva. Tudo isto estava anunciado, só faltava a data.
Anunciado?
Sim. Não é verdade que se tratasse do ordenamento do território, como já ouvi o Presidente do Governo Regional dizer. Não se pode facilitar para que a tragédia seja maior. Não se podem transformar ribeiros de 12 a 14 metros de leito em caminhos de cimento em que a água corre a velocidades vertiginosas. Não se podem construir rotundas sobre ribeiras. Tudo isto tinha de rebentar. E não falamos de apenas uma, são três ribeiras que desaguam no Funchal. Alguém imagina cimentar o Tejo?
Foi uma das vozes que ao longo dos anos alertou para este perigo.
Estou raivosa contra a estratégia... Quando se diz e alerta para que um dia possa correr mal... Tudo isto correu pior do que poderia ter corrido. Não sou só eu que tenho falado. Não se aprendeu nada com a catástrofe de 1993 e daqui a uns anos vai voltar a acontecer. As construções foram feitas de forma caótica.
Há quantos anos está no Funchal?
Fui viver para o Funchal em 1980. Não me venham dizer que não há sentimento. Não se escolhe uma cidade para viver 30 anos se não se gostar. A não ser que se seja masoquista, que não sou.
O que se podia ter feito?
O que não se podia ter feito é, e agora muito ironicamente, ver o "inimigo da Madeira" a falar mais depressa. Sócrates falou primeiro e devia ter sido ao contrário. Dá ideia de que Alberto João só falou depois de ver os governantes nacionais fazê-lo. Ele devia estar mais preocupado com as milhares de pessoas afectadas - uma coisa destas nunca se esquece. Custa-me que não tenha tido a hombridade de repensar o ordenamento. A Madeira é atingida ciclicamente. Não foi um castigo divino, não é só uma força da natureza, que só tem um sentido: os bairros de lata e os mais desfavorecidos. Não há nenhum ordenamento e esta palavra devia começar a fazer parte da consciência de Alberto João Jardim.
O que tem feito à distância?
Receber chamadas de pessoas que não têm comunicações que não seja o telemóvel e informá-las. É mais fácil de cá do que para quem está lá saber o que se passa.
Fonte:http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1501027&seccao=Madeira
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