quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Passos Coelho: "Mais vale uma crise política que viver todos os dias em crise"





















Pedro Passos Coelho parte para a disputa à liderança do PSD com uma certeza: o Governo está muito fragilizado e é ele próprio "o principal foco de instabilidade". Mas se cair, só novas eleições deverão legitimar outra solução governativa.

Acha que há tentativas de condicionamento da liberdade de informação ou de imprensa?
Acho que há fundadas razões para haver a suspeição. E o simples facto de essa suspeita existir mina a credibilidade do Governo e das instituições públicas e até privadas. É muito importante que essa suspeição seja removida rapidamente.

Através de explicações públicas do primeiro-ministro?
E não só. O Parlamento tem um conjunto de audições que podem trazer um pouco mais de luz sobre o que se passou. Uma coisa é o que a justiça entendeu que não era relevante do ponto de vista penal, outra é haver responsabilidade política relevante. Isso o Parlamento pode e deve apurar.

Concorda então com a tese da asfixia democrática?
Penso que em Portugal existe um excesso de intervenção pública e que o facto de haver uma grande confusão entre a esfera do Estado e a esfera dos partidos permite que quem está no Governo coloque instrumentos que deviam estar ao serviço do Estado ao serviço de interesses ou estratégias partidárias. Isso tem de ser combatido, não porque esteja em causa o Estado de Direito, mas porque pode estar em causa a credibilidade e a independência das instituições.

Está a defender a privatização da RTP/RDP?
Não há nenhuma razão hoje para que o Estado tenha uma televisão ou agências noticiosas. A noção de serviço público que deva existir tem de ser contratualizada com os privados e sairá muito mais barata ao Estado. Só a RTP, o ano passado, consumiu cerca de 400 milhões de euros, entre indemnizações compensatórias e taxas. Imagine o que era isto a contratualizar em bom serviço público! A história mostra, independentemente de quem tem estado à frente do Governo, a tentação de utilizar estes instrumentos para fins que não são os que justificaram a sua criação. Portanto, o Estado não tem que deter estes instrumentos.

O Governo tem condições para cumprir o mandato?
O Governo tem sido o principal foco de instabilidade do país. Ou porque os ministros não têm um discurso conexo e coerente, ou porque o ministro das Finanças ameaçou demitir-se, ou porque o primeiro-ministro chegou a criar a ideia de que era preferível uma crise política do que sujeitar-se à crítica do Parlamento. O Governo tem estado a correr à frente da crise. Isso não é bom para o país e cria um sentimento de instabilidade que dá a impressão de que o próprio Governo está à espera que alguém lhe dê um golpe de misericórdia. Esse clima é pernicioso para o país. Precisamos que o Governo governe e que assuma as suas responsabilidades. Se este Governo não está em condições de governar, só deve ser substituído por um outro que resulte de eleições.

Se a situação política se agravar, o PSD deve apresentar uma moção de censura?
Se as condições no país se agravarem muito, não restará outra saída senão a convocação de eleições. Mas não desejo hoje estas eleições. O país está com uma debilidade financeira e com um problema de credibilidade externa que seria preferível que o Governo se concentrasse na tarefa de governar. Em última instância, o Presidente da República deve avaliar se deve devolver a palavra aos portugueses. É preferível enfrentar uma crise política do que estar todos os dias em permanente crise política. Mas não creio que o PSD deva contribuir para essa instabilidade.

Se houver uma moção de censura, o partido que a apresentar pagará um preço político nas eleições seguintes... A estabilidade não é um fim em si mesmo. Se os governos governarem mal ou não assumirem as suas responsabilidades, é preferível suportar o custo da crise que há-de trazer uma nova solução. Mas não creio que, cinco meses depois das eleições, estejam esgotadas as condições para governar.

Se for eleito, está preparado para eleições antecipadas?
Se for eleito presidente do PSD, como espero, estarei preparado para apresentar ao país uma alternativa de Governo. Se e quando o país quiser mudar de governo. Não estarei preparado nunca para contribuir para novas soluções governativas no actual quadro parlamentar. Se o PS revelar que tem condições para levar o seu mandato até ao fim, o PSD não tem pressa de chegar ao Governo.

Este Orçamento do Estado (OE) responde à situação do país?
Não, e é por isso que se está a criar uma pressão tão grande à volta do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC). O Governo demorou tempo a perceber a gravidade da situação do país e deu uma resposta fraca. Prevê que se possa reduzir um por cento do défice em 2010, deixando uma perspectiva de que se possa reduzir depois em dois anos os outros cinco pontos. Este ano, em que as pessoas percebem que a situação é má, têm o exemplo de países como a Grécia e Irlanda e perceberiam ser necessária uma resposta mais firme, e o Governo não a dá. Mas promete reduzir dois e meio por cento em média nos próximos dois anos...

É um Orçamento que pensa em eleições antecipadas?
Não vou dizer tanto, mas é um Orçamento que não está ao nível da responsabilidade que hoje precisávamos de mostrar ao país.

A solução para o défice é um plano de privatizações?
Temos dois problemas com o défice: o excesso de despesa e a falta de receita fiscal por via da quebra da economia. No primeiro, o Estado tem de atacar a sério, e este Orçamento não o faz. A medida mais forte é o congelamento dos salários na função pública, impondo-lhe o maior esforço. O que não é justo, porque o Estado tem muita despesa de gordura que precisava de ser removida. Todos os consumos do Estado podiam ser reduzidos em 15 por cento face ao ano anterior. E nada indicia que vai haver um esforço sério de contenção de despesa pública.

E do lado da receita? Privatizar?
A receita será determinante para alcançar o défice de três por cento, mas só se consegue através do crescimento económico. As privatizações não servem para isso. São antes um sinal de que o Estado entende que deve ser a economia privada a puxar pela economia do país. O Estado deve remover-se o mais possível do campo empresarial. E temos de criar um quadro de incentivos para que o investimento possa regressar a Portugal.Criticou a forma como o PSD negociou o OE.

O que teria feito de diferente?
O PSD teve oportunidade e tinha a obrigação de ter exigido do Governo que suspendesse todo o conjunto de grandes obras públicas que vão onerar os próximos 30 anos. Ao não impor nenhuma condição especial senão esperar que o PEC demonstre um esforço plurianual de contenção, deixou aberta a negociação com outros partidos, sobretudo o CDS. Temos um pior orçamento porque o PSD não colocou a fasquia mais alta.

Por Leonete Botelho

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