quarta-feira, 18 de março de 2009

Recomenda-se uma leitura.

O medo e a esperança

Os sinos da Sé não deixaram de tocar convidando os crentes ao culto. Nem sequer o pastor daquela comunidade eclesial terá dito algo, na homilia da missa dominical, que grande
parte da população da cidade do Funchal ignorasse de forma vivida ou próxima, porque todos a sentem e vêem nas suas dramáticas consequências – a pobreza.
O Cónego Manuel Martins, com a frontalidade que lhe é habitual, alertou os fiéis, para a responsabilidade de toda a sociedade madeirense, não só do Estado, mas também do Estado, para as dificuldades porque passam, nos tempos que correm, muitas famílias, por causa da actual crise económica e social que varre toda a Região.
O estranho fora as reacções de sectores da sociedade onde este apelo incomoda porque fere como facas o egocentrismo de alguns e a indiferença de outros tantos.
As palavras do Cónego da Sé chegavam assim não só aos crentes ali presentes, mas a muitos outros que no seu dia-a-dia se arrastam na roda do infortúnio e onde o caminho da Esperança não se vislumbra e por isso a necessidade de receberem força, coragem, serenidade, fé e esperança nos momentos tão dramáticos das suas vidas.
A riqueza espiritual de um verdadeiro mestre que nos guia, dia após dia, na travessia da existência referiu neste contexto que “a esperança não se faz só de qualidades pessoais ou bens materiais”, faz-se também na recusa em aceitar falsos valores o que não são soberba nem egoísmo, nem tão pouco obstinação: são prova, pelo contrário, de total adesão a um ideal.
Faz-me muita impressão o ambiente de medo que por aí se vive.
No emprego, na rua, no hospital. “É melhor, não dizeres nada”, “não assines que ainda vais para a rua”,”faz de conta que ninguém ouve”. Toda a gente sabe aonde levam os regimes de escuta e repressão que não aceitam opinião e vivem obcecados em impor a sua. Mas os que mandam têm medo de quem? Aquilo que Cristo mais repetiu foi: “Não temais”. Sobretudo não temais aqueles
que vos podem tirar o emprego e a casa, mas não vos podem tirar a consciência nem a honra.
É preciso também reagir contra o descontentamento. Deprimir e baixar os braços não adianta. “Mas que podemos fazer quando odesemprego, sobretudo dos mais jovens, é cada vez maior, quando sobe o preço do pão e da água, daquilo que é de primeira necessidade, contra todas as promessas? ”, perguntam as pessoas. O que as pessoas sentem e vêem é que os ricos estão mais ricos e os pobres mais pobres. É preciso, como fez o Cónego Manuel Martins, denunciar.
E depois ver que há muita gente nova e bem formada desiludida com os políticos, mas que acredita no serviço e promoção dos mais necessitados. Isto, podem crer é que é politica!
Com o respeito e a admiração que tenho pelo Cónego Manuel Martins penso que a nossa sociedade não vive “uma crise de esperança”.
A Igreja que amo, a Igreja que amamos, ensinou-nos que a esperança cristã imprime um grande impulso ao compromisso no campo social, infundindo confiança na possibilidade de construir
um mundo melhor, na consciência de que não pode existir um “paraíso terrestre”. Os cristãos, especialmente os fiéis leigos, são exortados a comportar-se de modo que a “força do Evangelho resplandeça na vida quotidiana, familiar e social. Os leigos, neste sentido, mostrar-se-ão filhos da promessa se, firmes na fé e na esperança aproveitarem bem o tempo presente”.
O poeta Charles Péguy pôs na boca de Deus as seguintes palavras:
“A fé que mais me agrada é a esperança”.

JOSÉ A. ROQUE MARTINS

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