O dinheiro transferido não serve um proJecto de desenvolvimento da Madeira
H enry Thoreau, um escritor norte-americano do sec. XIX, escreveu que a "maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero". Pois parece ser assim que a Madeira contemporânea encara o seu dia-a-dia: um afónico desespero, numa ensurdecedora tranquilidade. Há neste facto motivos de sobra para questionar o que leva uma sociedade inteira a desprezar o valor da mudança, ignorar o poder da reforma e afastar, do seu próprio imaginário, a capacidade e o potencial da alternativa.
Não sinto nenhuma motivação extra para dissertar sobre o habitual. Para me alongar em justificações sobre a passividade social que conduz à política que temos ou ao governo que temos ou, se preferirem, às soluções que não temos.
Mas, como parece ser o mais apropriado, vale a pena observar os factos e afastar, ao mesmo tempo, o ruído que Alberto João Jardim imprime no debate, esgotando-o naquilo que mais lhe interessa e desviando o resto para detalhes sem importância, quase sempre, segundo ele, consequência dos culpados que ele próprio inventa.
Ainda esta semana conhecemos mais um resultado da governação Jardinista. A Madeira pode ser a primeira região do país a entrar num processos de deflação: uma queda generalizada dos preços decorrente da redução drástica da actividade económica e da falta de poder de compra dos madeirenses. A inflação negativa verificada em Janeiro e Fevereiro deste ano na nossa Região é, porventura, um dos sinais mais preocupantes do estado depressivo e frágil em que se encontra a nossa economia. Se juntarmos a isto outros factos: desemprego que cresce desde 2004 a um ritmo alucinante (150%, em 4 anos), indicadores de conforto que colocam a Madeira no último lugar das regiões portuguesas (em 2005, em 2006 e em 2007), rendimento disponível das famílias madeirenses inferior à maior parte das regiões portuguesas, muitos pobres, falências que em 2007 já constavam das capas dos jornais, resulta num cenário desolador para a Governação do PSD.
Estes resultados, verificados antes de 2007, não são consequência da Lei das Finanças Regionais. Também não são o resultado da ausência de uma revisão da Constituição. São obviamente o efeito natural de más opções de política económica. São a síntese mais fria e dura de um mau governo. Pior é que nada disto parece ter fim à vista. Muito pelo contrário: a crise abafa de problemas a sociedade madeirense e o Governo encolhe-se, exalta demónios e refugia-se nos bodes expiatórios que surgem todos os dias sob diversas formas. Nem um plano de emergência, nem Orçamento Rectificativo. Nada. Ainda ontem ficámos a saber que o Governo da República autorizou mais 50 milhões de endividamento, depois de em 2008 ter permitido que a Madeira tenha sido a Região do pais que mais utilizou o Programa Pagar a Tempo e Horas, permitindo um endividamento de 256 milhões (que estavam escondidos em encargos assumidos e não pagos - cerca de 400 milhões - à espera que alguém socorresse esta leviana atitude). Mas, antes disso, o Governo do PSD, numa operação de titularização de créditos, já tinha furado o endividamento zero de Manuela Ferreira Leite com mais 150 milhões. Já falamos de um endividamento, em contexto de "endividamento zero", superior a 450 milhões. É muito dinheiro mas não chega, nem chegará nunca. Não apenas porque a estratégia da defesa da autonomia do PSD é assente na gritaria com Lisboa, na "diplomacia política pimba", no insulto e guerrilha institucional. Mas também porque o dinheiro transferido não serve um projecto de desenvolvimento da Madeira e do bem-estar dos madeirenses. Serve um projecto de poder.
Carlos João Pereira
Com a devida vénia DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA
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